Aparentemente a privatização da RTP foi adiada para "um momento mais adequado face às circunstâncias". Suspeito que uma das "circunstâncias" a remover do caminho da privatização tenha o apelido Relvas. O ministro com a pasta das privatizações é uma "circunstância" que só tem prejudicado as privatizações (foi exemplar a maneira como rebentou com o processo da TAP), e todas as que se fecharam até agora (desde que este governo entrou em funções) foram feitas apesar do sr. Relvas.
Compreendo. Tentar evitar que semelhante "circunstância" tome decisões irreversíveis é próprio de um governante prudente. Porque depois de devolvida ao seu lugar (seja ele um conselho de administração, a praia de Copacabana, ou o anonimato), a "circunstância" vai à vida dela; e nos braços do responsável seguinte é que ficam aqueles meninos imundos.
Se além de prudente o governante estiver interessado no que é melhor para os portugueses, o "adiamento" ganha uma justificação redobrada. Até agora as opções do sr. Relvas não resolviam o problema essencial que é livrar o contribuinte do pagamento de um serviço que ele não contratou, não lhe faz falta, nem pode pagar. Com a agravante de ser um serviço pernicioso (como se tem verificado pelos "conteúdos" dos últimos anos).
A ideia de que "os privados gerem melhor", tão nutrida pelos nossos "senadores", é um erro grosseiro. Os "privados" só "gerem melhor" (quando gerem) se arriscarem aquilo que é seu (e não os dinheiros públicos). E se operarem em condições de livre concorrência, o que não acontece quando se trata de um monopólio (e, o que é mais grave) subsidiado. Ou seja, os cidadãos ficam mais bem servidos se recorrerem aos serviços de privados excepto quando "os privados" operam no tipo de enquadramento que o sr. Relvas se preparava para lhes servir.
Este conceito tem visto dificuldades em entrar nos crâneos portugueses. Alguns, possivelmente, por falta de espaço uma vez que já se encontram superlotados com importantíssimas conclusões académicas. A explicação mais frequente é que "os patrões" (note-se que só existem "patrões" nas empresas privadas), movidos pela "ganância" natural e pelo "acicate do lucro", "andam mais em cima dos empregados" o que os faz "funcionar mais produtivamente" (como tão bem explicou Fátima Bonifácio).
Para certos entendimentos "liberais" (no "sentido clássico do termo") a técnica para o sucesso de uma empresa é bastante simples. Arranjam-se uns "patrões" (quanto mais "gananciosos" melhor) e acena-se-lhes com um embrulho de petrodólares na ponta de um par de varas devidamente encaixadas nas orelhas. Depois gastam-se umas massas a equipar esses "patrões" com instrumentos de agressão. Há quem proponha Tasers. Eu estou convencida que o mau hálito é suficiente; basta para tal incluir este requisito no briefing do casting, e seleccionar os "patrões" mais apetrechados. Em caso de dificuldade, umas résteas de alhos resolvem o problema com reduzido empate de capital.
Na fase seguinte, contratam-se empregados. Mas de estatura média (ou desejavelmente baixa, 1,20 seria o ideal), para que não dificultem aos "patrões" a tarefa de "andar em cima deles". Por fim, basta puxar de uma cadeira e assistir ao entusiasmo dos empregados a "funcionar mais produtivamente", estimulados por electrochoques ou por bafos de carapaus de escabeche.
A única desvantagem deste sistema é que "o lucro sobrepõe-se à qualidade do serviço". Mas esta é uma pequena factura que devemos ponderar, uma vez que "a natureza humana, infelizmente, não é perfeita".
Esta escola de pensamento económico é tão divertida quanto pulverizada pelas opiniões "liberais" portuguesas. Os filósofos nacionais constituem "um foco" que tem sido subvalorizado "lá fora", mas nem por isso devemos recuar perante o facto de estarem errados. A realidade (mais sisuda) é que "os privados" só "gerem melhor" se tiverem alguma coisa a perder no caso de gerirem pior. Designadamente, se estiver em causa o seu próprio capital e a clientela da empresa. Quando os planos do sr. Relvas propõem aos privados a possibilidade de "gerirem" com dinheiros públicos uma "carteira de clientes" que abrange, garantidamente, todas as famílias e empresas portuguesas, já se está mesmo a ver onde fica "a qualidade do serviço", para onde são encaminhados os dinheiros desta habilidade e, sobretudo, onde vai cair a factura dos prejuízos.
Mal por mal, melhor que as soluções do sr. Relvas, que Paulo Portas conseguiu travar a tempo, é a alternativa de deixar tudo como está. Fechar a RTP (e quando digo a RTP refiro-me a todos os canais públicos de televisão e rádio) era a opção ideal. No dia em que a RTP deixar de ser olhada pelos doidos como se fosse o nariz da República, pelos "profissionais do sector" como a árvore das patacas, e pela populaça como um castigo fatal, talvez seja possível.
Até lá, com funcionários mais ou menos presunçosos a presidir à monstra, desde que devidamente acompanhados, prevê-se uma "restruturação" com "parceiros tecnológicos" e as demais "modernizações" que acompanham estes processos. Alberto da Ponte já foi avisando que a manobra vai ser "dolorosa". Espero que seja.
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