Sexta-feira, 26 de Abril de 2013

O (a)caso dos cravos

 

 

A revolução dos cravos poderia ser sem flor.


Sei-o porque a mãe de uns amigos foi quem, nessa manhã, comprou as flores que, pela mão do mais perfeito acaso, chegaram ao cano da espingarda de um soldado.


A mãe destes amigos - a "patroa" de quem fala a protagonista deste video - comprou flores, cravos, para oferecer aos clientes do seu restaurante, ao pé do Marquês de Pombal, que comemorava um ano no dia 25 de Abril de 1974. Como se deu a revolução, o restaurante não abriu e os cravos foram oferecidos aos empregados. 

 

Improvável patrocínio, ou como o acaso faz história.

 

publicado por Ana Rita Bessa às 16:24
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Terça-feira, 1 de Maio de 2012

"SÓ OS PARAZITAS TENHEIM MEDO DO CUMONISMO"

(Originalmente publicado no Senatus, em 25 de Setembro 2011)

 

 

No famoso "verão quente de 75", um Mercedes preto, com as cortinas descidas, transportava uma velha conduzida por um motorista fardado chamado José, homem brutíssimo de linguagem e reformado da GNR como, de resto, era costume em casa da Tia Joana.

 

Atravessavam o Alentejo, vindos de Espanha em direcção a Lisboa, com a bagageira atafulhada de sabonetes, caramelos, pêssegos em calda, frascos de lavanda "Puig", e dois vestidos de sevilhana, tamanho de criança, "para as filhas da Maria Domingas". As filhas da Maria Domingas detestavam aqueles vestidos, que eram obrigadas a enfiar nas festas de Carnaval para cumprir uma tradição inventada pela Tia Joana e que abrangia, desde os anos trinta, todas as crianças da família. Muita sorte serem meninas porque, para além da própria mãe, também o Tio Chico, o Tio Mário e o Tio Germano apareciam em retratos anuais, a preto e branco, sentados sobre a secretária do consultório do Avô Luis, bisavô das miúdas, vestidos de sevilhana por alturas do Baile do Palito.

 

Pararam em Beja, para almoçar e para deixar "à minha irmã Carolina, que vai amanhã para baixo" uma colecção muitíssimo jeitosa de pinceis de caiar. Regressados à estrada, a Tia Joana voltou a apoiar os pés num banquinho que morava entre o encosto dos bancos da frente e o assento dos bancos de trás. De outro modo ficaria com os pés a balançar, não chegava com eles ao tapete do carro. Das irmãs, que eram todas pequenas, ela era a mais baixa. "De la sierra morena, cielito lindo, vienen bajando", trauteou, "unos ojitos negros, negros negritos de contrabando" e levantou uma nádega para deslocar a porção de vestido que estava por baixo, toda molhada de suor. Sentiu reduzir a velocidade e o Mercedes parou. A Tia Joana afastou a cortina da janela. Estavam em Beringel. Viu atravessar um rebanho de borregas e olhou para uma parede onde estava escrito "SÓ OS PARAZITAS TENHEIM MEDO DO CUMONISMO". O Mercedes arrancou e a Tia Joana retomou as suas preocupações.

 

A casa da Praia da Rocha, dividida em duas na sequência de um processo de partilhas, situava-se na avenida principal, frente ao antigo casino, e todos os anos era caiada. Também todos os anos a Tia Joana tinha que decidir se era trancada ou não, pelo lado que dava para a sua garagem, a porta de comunicação interna entre as duas fracções. A casa da irmã Carolina era muito maior e dava para o lado da praia, o que tornava o caminho mais curto. Mas continha uma quantidade incontrolável de netos, com idades variáveis e comportamentos indecorosos; por mais do que uma vez, a Tia Joana tinha supreendido a mais velha do Germano a assobiar. Como um moço da rua. Além disso comiam fora das horas das refeições, tomavam quantos banhos entendiam e, o que era pior, as criadas que os acompanhavam à praia não andavam fardadas. Mas se decidisse trancar a porta pelo lado dela, arriscava que a irmã fizesse o mesmo e depois tinha que mandar as criadas dar a volta inteira ao quarteirão para ir buscar os garrafões de água de Monchique, que ficavam arrumados do outro lado. "Ay, ay, ay, ay, canta no llores" voltou a trautear, e o Mercedes preto com as cortinas descidas parou outra vez. "Quem são estes barbudos", perguntou, e o motorista respondeu "estes cabrões é uma barricada".

 

Estavam vestidos de militares, mas da cintura para baixo e outros era ao contrário, calças à boca de sino e blusão de camuflado, todos tinham os cabelos grandes e uma espingarda. Passavam revista aos automóveis que estavam à frente. Abriam as portas, levantavam os tapetes, esvaziavam os porta-luvas, vasculhavam as bagageiras e a Tia Joana desceu a janela toda. "Olha, olha, temos uma velha fascista!", disse o mais gordo, chegando-se ao Mercedes preto, afastando o elástico que lhe prendia um testículo. "E com chófer, de boné e tudo!", gritou para a malta, já olhos nos olhos com a Tia Joana que lhe tirou as dúvidas: "O José é meu chauffeur há quinze anos. Como não tem cornos, pode usar boné".

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 13:33
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