O engenheiro Ricardo Robles tem, diz quem se dedica à investigação do tema, um ar clean e olhos bonitos. O que não lhe deve dificultar a missão, se é que a tem, de encontrar uma alma gémea para viver o resto da vida, ou, se é que a tem, uma galdéria, e perdoem-me se estou a reduzir injustamente o mundo ao estereótipo heteropatriarca ao esquecer a possibilidade de ser um galdério, para passar o resto da noite.
É, além disso, um bom partido. Não pelo emprego, um lugar precário de vereador a tempo inteiro e com dedicação exclusiva na Câmara Municipal de Lisboa que lhe rende entre três e quatro mil euros brutos por mês, ou rendia, mas não é muito importante, mas por ter um património em que pode realizar, dizem as notícias dos jornais, uma mais-valia de mais de cinco milhões de euros a mielas com a irmã, o que lhe dá a ele mais de dois milhões de euros.
Rapaz de olhos azuis, mais de dois milhões de euros, não está nada mal para a idade que tem.
Mas, terá?
É só fazer as contas!
E para fazer as contas vamos olhar para o património do engenheiro Robles.
Ele e a irmã compraram num leilão da Segurança Social um prédio que, depois de despejado de inquilinos e remodelado com a adição de um andar deu para 11 apartamentos de pouco mais de 30 metros quadrados de área cada um e três lojas, uma com 120 quadrados e as outras com cerca de 50 e perto de 40.
Vamos dar de barato que a compra foi um negócio honesto, ou seja, que durante o leilão ninguém conseguiu saber os preços propostos pelos outros candidatos para lhos soprar e ele poder cobrir as ofertas dos outros por pouco, minimizando o que tinha que gastar para ganhar o leilão.
Vamos também dar de barato que a remodelação foi um processo honesto, ou seja, que as autorizações concedidas pela Câmara Municipal de Lisboa, incluindo a de acrescentar um andar ao prédio, não constituiram qualquer favorecimento ao então membro da Assembleia Municipal, e teriam sido deferidas nos mesmos termos e nos mesmos prazos se o requerente fosse um proprietário anónimo.
Vamos ainda dar de barato que a concessão do crédito para fazer a remodelação seguiu as boas práticas prudenciais do sector, apesar de à ápoca da aquisição o engenheiro Robles declarar por junto cerca de 21 mil euros de rendimentos anuais brutos, ou 1.500 euros por mês pagos 14 vezes.
E com os despejos não vale a pena gastar muita tinta numa reflexão sobre o valor comercial do imóvel.
E por maioria de razão vamos passar ao lado da gentrificação concretizada ao pegar num prédio modesto que podia ser habitado por gente modesta e com lojas dedicadas ao pequeno comércio tradicional e transformá-lo num prédio sem moradores permanentes nem pequeno comércio tradicional dedicado à exploração comercial do alojamento local, e da posição ideológica pregada pelo engenheiro a propósto da gentrificação, porque também não tem influência nenhuma na valorização do prédio.
Temos então o engenheiro e a irmã proprietários de um imóvel com 11 apartamentos de 30 metros quadrados e 3 lojas que lhes custou cerca de um milhão de euros entre preço de aquisição e obras de remodelação, que eles colocaram à venda, salientando a disposição apropriada para o negócio do alojamento local, por um colhão de massa, mais de cinco milhões de euros.
E o prédio vale-os?
Mais de cinco milhões de euros pelo prédio significa perto de 500 mil euros por cada apartamento de cerca de 30 metros quadrados que as fotografias divulgadas pelas agências que tiveram o prédio à venda mostram acabamentos sóbrios e de bom gosto, mas nada de luxuoso, mais provavelmente equipado no Ikea do que no Siza Vieira. Ora pouco mais de 500 mil euros declarou o presidente da CML pela compra do duplex de 200 metros quadrados nas Avenidas Novas num prédio de prestígio, pelo menos a avaliar pelo nomes dos restantes condóminos. Parece um exagero pedir quase o mesmo por pequenitos apartamentos simples e de bom gosto em Alfama.
Mas é para negócio, é para alojamento local, e as contas são completamente diferentes.
Pois são, e vamos fazê-las.
Um apartamento daquele tamanho naquele local em alojamento local poderá ter preços de 60 euros por dia. Dizem os entendidos que os investidores consideram optimista um cenário com taxas de ocupação de 50%, e pessimista com taxas de ocupação de apenas 25%. Sejamos optimistas, e um apartamento permitirá facturar 10.900 euros por ano. Mas todas as despesas, televisão e internet, água, electricidade e/ou gás, para além das limpezas e despesas de lavandaria, são por conta do proprietário. Esqueci o condomínio? Não faz mal. Vamos supor que custam cerca de 50 euros por semana para a tal taxa de ocupação de 50%, e temos um custo de 2.600 euros por ano. Acrescentemos 200 euros se o condomínio for muito em conta, e chegamos a uma margem de lucro de 8.100 euros por ano. Com tributação autónoma em sede de IRS à taxa libertória de 28%, um rendimento líquido de 5.800 euros por ano. Dizem também os entendidos que o limiar de rendibilidade para valer a pena investir neste negócio é de 5%. E chegamos ao valor de investimento de 116 mil euros por apartamento. Para os 11 apartamentos, perto de 1,3 milhões de euros. Acrescentem-se as lojas chegamos a um valor acima de 1,5 milhões de euros mas abaixo de 2 milhões. E não precisámos de pintar paredes a denunciar a gentrificação ou a exigir a disponibilidade de casas para alugar a preços acessíveis.
Temos então que o prédio do engenheiro Robles e da irmã lhes poderá proporcionar, se for vendido, uma mais-valia de 300 ou 350 mil euros a cada um. É bom? É óptimo! Mas não são os mais de 2 milhões para cada um que se esperava.
O que aconteceu então?
Os irmãos colocaram o prédio à venda por um preço astronómico e muito acima do que qualquer investidor racional estará disposto a dar por ele. E com isso, e a consequente mais-valia milionária se a venda se concretizasse a esse preço, o engenheiro Robles deu cabo de uma carreira política que eventualmente sobreviveria a uma mais-valia de 300 ou 350 mil euros.
Foi-se um vereador, foi-se um milionário. Restam os olhos bonitos.
Pelo que, meninas e meninos, se querem casar com ele por amor e pelos seus lindos olhos têm o meu beneplácito. Se querem casar com ele por interesse a contar com mais-valias façam bem as contas antes de dar o passo e fechar negócio.
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