Rui Machete disse na Índia, como já havia dito em Angola, uma verdade inconveniente, com a diferença de, na Índia, a verdade ser quântica, porquanto o dizê-la pode ajudar alguma coisa a modificar a realidade - que me perdoem os físicos se lhes transplanto abusivamente as teorias para o domínio da anedota política.
Logo a oposição em peso se babou com o deslize, não pelo prejuízo que dele pode resultar mas porque, como lhe compete, convém salientar os pontos fracos do elenco governamental.
Na blogosfera, que é rápida, já 4728 autores gozaram o prato; a imprensa segue atrás. E Marcelo disse, inevitavelmente, coisas - não fui conferir se o intelectual Pacheco as disse também, mas quem estiver curioso sobre o que pensa a feroz oposição interna do PSD, partido que é uma nação, desloca-se até ao Abrupto e deve lá encontrar matéria.
Eu não sou desses de contribuir para o falatório; nem teria aliás nada para dizer sobre o facto em si, salvo o óbvio de que Passos Coelho tem uma espécie de sexto sentido para se rodear de rebos.
Sucede também que políticos no activo, que talvez não sejam da Oposição, nem políticos, ou antes pelo contrário, também acharam útil aliviarem-se das suas opiniões: António Saraiva, comissário da Concertação com o pelouro de fingir que representa os patrões da indústria, abriu as hostilidades e confiou-nos a sua opinião íntima, no intervalo de uma sessão da PASC (Plataforma Activa da Sociedade Civil) - é caso para dizer que é uma opinião de alto - sobre a possível reacção dos mercados; e Silva Peneda, mais prudente, limitou-se a dizer nada, dado que já tinha explicado ao Governo o que este em geral deve fazer, conforme opinião abalizada do governo-sombra na Concertação Social.
E assim vamos. Bem gostava de adiantar umas considerações relevantes sobre o que se passa este ano com os dióspiros coroa-de-rei, ou sobre a eleição de Miss Universo. Mas o tempo não dá para tudo, e os ministros não se calam.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se hoje a Rui Machete como um fundador do PSD (na altura PPD) que foi "muito próximo de Sá Carneiro" e o seu "braço direito". Não é verdade.
Rui Machete opôs-se a Sá Carneiro juntando-se ao grupo dos "inadiáveis", uma dissidência do PPD da qual também fizeram parte Sousa Franco, Guilherme Oliveira Martins, Sérvulo Correia, e Magalhães Mota. O documento "Opções Inadiáveis", que apresentaram em Junho de 1978, criticava Sá Carneiro e defendia "a socialização crescente da economia (...), rejeitanto tanto o liberalismo capitalista como o estalinismo colectivista", uma posição que pretendia colocar o partido no centro-esquerda e que valeu aos seus defensores largos anos de entendimento com o PS. Foi o que aconteceu com Rui Machete, e foi exactamente por essa razão que Passos Coelho o foi buscar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe disso. Sabe que Rui Machete não foi chamado para fornecer ao Governo avisados pareceres constitucionais. Nem para carimbar uma garantia de descendência dos princípios políticos de Sá Carneiro, com os quais Rui Machete nunca se entendeu.
Rui Machete está lá para representar o "acordo" inventado por Cavaco Silva, para calar os pomposos perús velhos do PSD, e para fazer aquilo que sempre fez melhor: entender-se com o PS.
Tudo isto é suficientemente claro para a perícia de Marcelo. Mas exibir Sá Carneiro na identidade política, ainda que falsificado, é uma tentação que se percebe abordando o tema de outra maneira.
__________
Fotografia daqui.
Chama-se Bruno Maçães. Subordinado a Rui Machete (personalidade simbólica que Passos Coelho desenterrou para representar o "acordo" de "salvação nacional"), é o novo Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
Surpreendentemente, chega-nos da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Também tem um blogue no Expresso onde podemos admirar as suas sofisticadas mundividências.
De resto, é como diz a fotografia: tem ou não tem aspecto de "jovem académico de méritos reconhecidos e vasto currículo"?
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais