Marcelo promulgou com dúvidas o aumento do salário mínimo na função pública para 635 Euros, por ser superior ao salário mínimo em vigor para o sector privado, de 600 Euros.
É sempre bom ter dúvidas, porque a dúvida aguça o engenho. Mas neste caso são desnecessárias, porque a diferenciação faz todo o sentido.
No privado, se o negócio não sustentar salários mais altos esgota-se o dinheiro dos fregueses, depois o dinheiro que os sócios estão dispostos a colocar na empresa, e por fim esgota-se tudo e a empresa fecha e os empregados ficam desempregados.
Na função pública, quando os salários aumentam mais do que a conta certa há sempre dinheiro dos contribuintes, e quando os governos receiam espremer demais os contribuintes por causa das eleições haverá o dinheiro dos contribuintes futuros para pagarem a dívida que é contraída para pagar estes salários, de modo que o dinheiro nunca se esgota e os empregados nunca ficam desempregados.
Simples, não é? Ó senhor presidente, deixe-se de dúvidas e assine lá essa merda para não fazer esperar o senhor primeiro-ministro.
Um meu colega empresário, do ramo das padarias, disse algumas coisas sentidas e apropriadas sobre o salário mínimo e a legislação do trabalho.
Um nosso colega, do ramo da opinião, cascou-lhe:
"Note-se que 25% da massa salarial implica uma percentagem absurda de trabalhadores (perdão, "colaboradores") com salários abaixo de 557 euros (perdão, em "regime de transição"). De tal forma alta que o sócio-gerente da Padaria Portuguesa preferiu dizer a percentagem da massa salarial do que responder à pergunta que lhe foi feita, contando, com razão, com a desatenção da jornalista. Não me espanta que quem baseie o seu negócio nos salários baixos considere que a grande prioridade dos portugueses não é o aumento do salário mínimo (que só interessa aos políticos, claro), mas a liberalização dos despedimentos, o fim dos limites legais ao horário de trabalho e uma redução considerável do pagamento de horas extra, não penalizando as empresas que contratam menos trabalhadores do que aqueles que necessitam para funcionar. Um País desigual é isto: cada um vive na sua bolha e, quando fala para a televisão, julga que quem o está a ouvir partilha as suas prioridades".
Nuno Carvalho vende pão e Daniel Oliveira opiniões em letra de forma, ou faladas em frente às câmaras, ambos dependendo, para viver, da procura que tem o produto que fabricam.
Se Nuno pudesse sobreviver sem empregar ninguém não seria decerto a fazer pão, que isso implica maquinaria, compra de matéria-prima, manutenção de stocks, arrendamento ou compra de estabelecimentos, distribuição, publicidade e o catano - ou seja, capital, empregados, organização e gestão. Não que não pudesse conseguir alguma farinha emprestada para a transformar artesanalmente no que fosse possível num dia, para vender no seguinte depois de comer uma, decerto saborosa, bucha; e até podia empregar no esforço a mulher, se fosse casado, e os tenros filhinhos, se os tivesse. Mas esse pão sairia a um preço que o tornaria invendável; a mulher calçar-lhe-ia uns patins, por crueldade doméstica; e a Segurança Social apreenderia os meninos famélicos para os colocar num lar.
Nuno, na realidade, como empresário, não tem outra escolha senão contratar empregados, coisa que Daniel não precisa de fazer, e é esta a primeira diferença entre os dois - um não tem empregados porque não precisa, mas o outro é forçado a tê-los.
O artigo que Daniel fabrica é único - só ele escreve como escreve, e é dos poucos que debita convincentemente teses que numerosos leitores/pagadores querem ardentemente comprar para se abastecerem de opiniões. Pessoalmente acho a escrita apenas passável e as opiniões uma abominação, mas eu não sou um cliente deste produto popular nos meios da esquerda acéfala - há quem seja.
E esta é a segunda diferença - o artigo de Daniel está muito menos exposto à concorrência: um pão é um pão e há inúmeros padeiros a fazê-lo com pequenas diferenças, pelo que é preciso um esforço constante para que o consumidor não vá à porta ao lado. E o esforço não consiste apenas em tomar muitos cafés pela noite fora até que a inspiração apareça, é preciso uma atenção permanente a todos os infinitos factores que fazem com que umas empresas singrem e outras não - mesmo o sucesso, quando se atinge, não implica que se mantenha.
Daniel não tem como companheiro o espectro do falhanço e da falência. Se os meios de comunicação social para os quais trabalha falirem, ou o despedirem, Daniel queixar-se-á não de si mas deles, e com a própria queixa fabricará material que alguém há-de querer comprar. E é esta a terceira diferença.
A Nuno não ocorreria decerto invocar os poderes do Estado para fiscalizar a justiça do que Daniel mete ao bolso como ganho do produto que vende, desde logo porque os jornais, ou as revistas, ou os canais de televisão, não lhe pertencem, e por isso não vê razões para que ele, ou o Estado por causa da opinião dele, se intrometa em contratos livremente celebrados entre terceiros.
E esta é a quarta diferença. Daniel quer ser generoso com o que não lhe pertence, nem criou, nem seria provavelmente capaz de criar, nem sequer sabe se existe, porque é uma pessoa muito boa. Boa como nos versos de Alberto Caeiro: E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos/ E sorriu com agrado, julgando que eu sentia/ O ódio que ele sentia, e a compaixão/ Que ele dizia que sentia. Já Nuno, se for pessoa caridosa, fará as suas liberalidades, discreta ou publicamente, com o que lhe pertence, depois de pagos os impostos que a empresa suportou, os seus como trabalhador, e os devidos sobre o que ela tenha distribuído do que sobrou.
Resta que Daniel não percebeu o que o empresário, no seu discurso algo confuso, disse, (este esclareceu que NÃO tinha trabalhadores com o salário mínimo mas passaria a ter com este aumento) nem curou de perceber: é patrão verdadeiro, isto é, não é recebido em S. Bento, não tem um cadeirão na Concertação Social nem diz coisas profundas ao mesmo tempo que finge que faz sentido sentar-se à mesma mesa com quem o quer destruir? Então é para abater.
Os tais 25% que escandalizaram Daniel não servem para fundamentar nenhuma conclusão. Esta percentagem é, no sector, alta ou baixa? E esta empresa deve muito ou pouco dinheiro, fez ou não fez investimentos, distribui ou não distribui lucros, paga ou não paga salários e prémios altos à administração, tem ou não tem resultados, pode ou não pode suportar os aumentos? Sobre tudo isto Daniel não diz nada porque acha que as empresas todas podem pagar e, se não puderem, devem desaparecer. Patrões só interessam os que podem pagar e mesmo estes apenas desde que aumentem sempre acima dos ganhos de produtividade, ou das margens, ou da inflação, ou do diabo, porque é justo.
Há patrões destes. São, além dos que trabalham em sectores protegidos da concorrência, os que, se forem padeiros, automatizam processos de tal modo que os salários não pesem no custo de produção, e portanto o que pensam e dizem os daniéis deste mundo não conte para nada.
Mas disto Daniel não sabe. Nem do resto. Nem de nada, salvo sobre as características do produto que vende, porque tem saída, e até o Governo consome.
Há tempos havia decidido não voltar a ver a Quadratura do Círculo, por ter evoluído para um programa de debate entre Jorge Coelho, que apoia o PS, Pacheco Pereira, que apoia o PCP e o Bloco, e Lobo Xavier, que apoia Costa, todos irmanados numa solidária aversão a Passos Coelho e admiração pelo patente génio do trafulha que agora nos pastoreia.
Os programas de debate político, salvo os frente-a-frente entre deputados, que repetem os mesmos argumentos já utilizados no Parlamento, transformaram-se em rodas de amigos de onde está ausente qualquer forma realmente diferente de ver a coisa pública. E por exemplo Santana Lopes, outrora o enfant terrible do PSD (PPD/PSD, como diz, não vá alguém julgar que não é contemporâneo das gloriosas lutas do falecido Sá Carneiro), confraterniza semanalmente com António Vitorino, ambos remoendo com deleite o estatuto e os proveitos que as respectivas carreiras políticas lhes garantiram, Santana insinuando às vezes que talvez pudéssemos estar um pouco melhor, e Vitorino garantindo sorridentemente que não senhor, estamos em mãos boníssimas.
De debates, os espectadores preferem os sobre os méritos e deméritos de Jorge Jesus ou outra refulgente personalidade do mundo do futebol, e fazem muito bem: sempre vão mobilando o imenso vácuo que lhes habita as cabeças, e o que é facto é que com Costa tá-se melhor, o PCP vela pelos dereitos dos trabalhadores, o Bloco pelos dos transsexuais, e a Europa há-de tomar conta de todos, que nós somos pequeninos e eles não querem cá chatices.
Isto é estranho. Que num país que tem a quarta ou quinta dívida pública do mundo, cujo serviço em juros, medido em percentagem do PIB, é, no acabrunhado rol de potenciais caloteiros, o primeiro ou segundo; que sobrevive com crédito e taxas de juros relativamente moderadas apenas porque vive ligado à máquina do BCE, o qual estatutariamente apenas nos apoia porque tem a desculpa de evitar a desinflação, risco que está a dar sinais de ter desaparecido; que cresce raquiticamente; e que segundo os comunistas da Bayer e os genéricos, ambos apoiantes do governo do dia, jamais pagará o que deve, pelo que deve desde já dizer aos credores que vão bugiar, a fim de estes nos continuarem a emprestar, mas sem arrogâncias: seria de esperar que as melhores cabeças não apenas denunciassem o absurdo risco em que o país está mas também se digladiassem, de faca nos dentes, sobre o caminho a seguir.
Mas não. O caso do dia é a decisão da Concertação Social que pariu um aborto, que se pode descrever assim:
O salário mínimo sobe mais de 5% (27 Euros sobre 530, a que acrescem os 23,00% da TSU - já há um desconto de 0,75% - e aumento do custo de seguro de acidentes); as associações patronais encararam com horror a percentagem, cientes de que nem a situação de inúmeras empresas, nem a do país, nem a taxa de desemprego, nem a de inflação, recomendariam um tal salto; e para dourar a pílula o comissário de serviço da Situação, o celebrado ministro Vieira da Silva, ofereceu um aumento do desconto sobre a TSU, de 0,75 para 1,25%, passando portanto o encargo da entidade patronal a ser de 22,50%, incidindo sobre os salários mínimos pagos, e não os 23,75% que incidem sobre todos os outros. É fantástica a gigantesca baralhada que todas estas cabeças são capazes de produzir, no afã de poderem fingir que estão a concertar.
Contas feitas, o que os "patrões" pagam a menos do que pagariam sem a "benesse" são cerca de 3 Euros em 27 (isto é, pagando 22,5% em vez dos anteriores 23%). O que isto quer dizer é que as contas futuras da Segurança Social serão agravadas nesta medida e, portanto, ou o contribuinte futuro suporta a diferença ou, mais provavelmente, os futuros reformados a suportarão, dada a demonstrada insustentabilidade da trajectória das pensões sociais. Com a anuência dos "patrões" portanto, a Concertação colaborou numa pequena vigarice.
O que os patrões deveriam ter feito era não chegar a acordo algum, com ou sem descontos de mercearia, e recomendar aos seus associados que se puderem aumentar aos seus trabalhadores sem pôr em risco as empresas o façam, e se não puderem não. Mas isso era se fossem patrões, e não poltrões.
Pois bem: Dá-se o caso de os comunistas, desta vez, não estarem dispostos a um arranjo que não é tão penalizador para o patronato como desejariam, além do que começam a ter fortes suspeitas de que, para o PS ganhar eleições, podem eles perder clientela; e o PSD resolveu, e bem, não dar cobertura a mais um episódio governamental da novela "gaste agora, dê-nos o seu voto, e pague depois, quando abrir os olhos". Ora, os três senhores do primeiro parágrafo acham que isto é baixa política por entenderem que, sob pretexto de que o PSD tem o rabo trilhado na matéria, destrilhá-lo seria incoerência. E portanto entendem que, faltando o apoio dos dois pés botos da geringonça, deve a chamada direita suprir a falta.
Isto acham eles. Eu acho que tenho livros atrasados para ler, e filmes para ver: parece que estão disponíveis para aluguer episódios dos Three Stooges.
Há países em que há fixação legal do salário mínimo e onde este é alto; e outros onde não há e este é igualmente alto, e até mais alto, do que nos primeiros, excepto quando é baixo; há países sem fixação legal do salário mínimo onde ele é baixíssimo, altíssimo e assim-assim; e países onde o salário mínimo é alto, nominalmente, mas o dinheiro não serve porque, para certos bens, o que há são listas de espera. Quanto à relação entre o salário mínimo e o médio, dentro de cada país (é o índice de não sei quê), há para todos os gostos mas, no nosso caso, os dois estão mais perto um do outro do que na maioria dos países.
Não vale a pena tentar encontrar o caminho da recta opinião (se se deve, ou não, fixar legalmente o salário mínimo, e a que nível) na floresta de literatura sobre o assunto (uma espécie de Amazónia da Economia, quase tão vasta como a que existe sobre moeda) porque há exemplos, e correlações, para ilustrar convincentemente todas as teses, e o seu contrário. E não se pode esperar nada de estudos, porque para estes serem válidos seria preciso, em duas sociedades iguais, ou parecidas, legislar numa e não legislar noutra, aguardar um certo tempo e, desde que todas as outras condições que influenciam a criação de emprego se mantivessem iguais, tirar conclusões. Mas nem há duas sociedades iguais nem, sobretudo, todos os outros factores evoluem da mesma maneira, nem é possível calcular exaustivamente de que forma uns factores interagem com outros.
Assim, ficamos como no princípio, com o nosso palpite. Eis o meu: o aumento do salário mínimo cria dificuldades acrescidas para pessoal indiferenciado (isto é, que não sabe especificamente fazer nada) encontrar o primeiro emprego; incentiva o despedimento, ou a não contratação, daqueles trabalhadores que desempenham tarefas que podem ser automatizadas, porque é cada vez mais barato automatizar; e empurra para cima os outros salários, para restaurar a hierarquia salarial que existia antes, o que numas empresas pode, mas noutras não, ser acomodado. Se o livre jogo do mercado de trabalho conduzir a salários de miséria em alguns casos, poderia talvez haver compensações directas da comunidade para os trabalhadores, desde que compatível com fiscalidade baixa e se evitassem distorções da concorrência e fenómenos de corrupção. Pode ser? Não faço ideia. Mas faço ideia de que distorcer o mercado do trabalho, como qualquer outro, só pode levar a consequências perversas, e no caso deste elas são o desemprego. Este efeito pode ser mascarado por outros factores benéficos para o emprego, mas não é menos real por causa disso.
Um liberal doutrinário dirá que a empresa que fecha por não poder acomodar aumentos de salários permite o aumento de produção de outra mais eficiente, que lhe herdará a quota de mercado e parte dos trabalhadores; um esquerdista idiota, com perdão da redundância, dirá que um patrão que apenas pode sobreviver pagando salários de miséria deve desaparecer, sendo substituído por um outro com adequada formação, que brotará da geração mais bem preparada de sempre; um consultor de gestão afirmará convicto que o que interessa é encontrar formas criativas, imaginativas, inovadoras, de aumentar as margens, pelo que o custo do factor trabalho é muito menos relevante que a aplicação de ferramentas de gestão moderna; um socialista dirá que é preciso apostar na formação e nas novas tecnologias para reforçar a competitividade (competividade, se o socialista em questão for o actual primeiro-ministro); e todos, mais a gente que se julga de direita por ser conservadora nos costumes e acreditar no milagre de Fátima, e ainda os gestores e economistas que saem das universidades às fornadas, bem como os professores deles, estarão de acordo em que a classe empresarial do país é lamentável, ao contrário da dos jornalistas, dos poetas, dos políticos da preferência de cada qual, e ainda da dos eleitores a que todos pertencemos, e que acredita piamente em todas estas tolices, porque com elas lhes martelam os ouvidos há décadas.
Pois a candente matéria está em debate pelo organismo daninho que se dedica à concertação social, um dos fétiches da nossa Constituição. O que penso sobre ele disse já inúmeras vezes, por exemplo aqui - é uma câmara corporativa, e devia ser extinta.
Desta vez, o leilão abusivo no qual as confederações fingem umas que representam os trabalhadores e outras os patrões, sob a batuta de um ministro que finge que tem a mais remota noção do que as empresas podem pagar, todos para licitar bens roubados porque se trata de riqueza que não criaram nem sabem como se cria, e que de todo o modo não lhes pertence, é ainda mais caricata do que o habitual: as confederações patronais querem evitar estragos na imagem e danos maiores, tolhidas de medo que as tratem de fascistas; a CGTP, uma filial do PCP, finge que não é aliada do governo - uma novidade, costumava limitar-se a fingir que não era comunista; a UGT, uma filial do PS, finge que não fará o que lhe mandarem; e o ministro Vieira finge que está ali a discutir, quando na realidade está apenas a tentar encontrar o ponto de equilíbrio que lhe renda mais votos, que é a matéria-prima de que depende a sobrevivência da sua lamentável carcaça política.
Vão-se entender, no fim. A CGTP carpindo que não se chegue desde já aos 600 euros porque o governo não é suficientemente patriótico e de esquerda mas, enfim, a direita ainda é pior; a UGT triunfante porque, mais uma vez, deu provas de grande realismo; as confederações patronais satisfeitas porque conseguiram garantir que a legislação laboral não volte a ficar cubana; e o governo porque deu um brilhante exemplo de que o diálogo funciona.
Os abutres são assim: disputam agressivamente a carniça mas todos se vão alimentando. E o empregado? Vai ficar melhor - se não for despedido. E o desempregado? Também - se encontrar emprego.
Qualquer pessoa de senso percebe que se o salário mínimo fosse elevado para, por exemplo, 1000 Euros, os trabalhadores objecto da medida veriam melhorar o seu nível de vida e haveria um aumento do consumo - o tal que faz aumentar o PIB - em correlação com o aumento, salvo algum crescimento do aforro. Não muito, que com 1000 Euros ninguém vive verdadeiramente bem.
Porquê então esta timidez dos 500, ou 515, ou lá o que é? A resposta, óbvia, é que há uma relação entre o nível dos salários e o desemprego: com tudo o mais igual, impôr salários que não resultam da necessidade das empresas (por não encontrarem quem trabalhe por menos para o desempenho de uma determinada função) e abstraindo por completo das circunstâncias em que estejam (podem acomodar aumentos? podem repercuti-los nos preços a que vendem? podem, mesmo assim, não entrar em prejuízo? podem investir?) resultará em aumento de desemprego, sobretudo para os menos qualificados, os jovens e para quem está à procura de primeiro emprego.
Há tanta literatura sobre este assunto que nem vou por aí. Pergunto apenas: das três pequenas empresas que dirijo uma não pode provavelmente acomodar o novo salário mínimo - as outras duas nem o praticam, porque não precisam. É, está bom de ver, uma empresa mal gerida, não é o Pingo Doce, mas não faltam por aí empresas mal geridas, enquanto sobram gestores que se abstêm de se lançarem em negócios, salvo o da opinião. Pergunto: com que direito vêm os sindicatos, o Estado, e a puta que os pariu a todos, defender o que chamam de interesse dos meus trabalhadores quando estes, entre o que ganham e o desemprego, preferem conservar o que têm, na esperança de melhores dias?
E pergunto também: não haverá quem, por saber muito, queira tomar conta? O preço é módico, o ambiente bom, as perspectivas razoáveis no médio prazo. Há um senão: haveria a maçada de substituir os sócios nas garantias pessoais prestadas, aí um pouco acima de cerca de um balúrdio.
Generosa gente: não se limita, com o poder do Estado, a dar o que não criaram, não lhes pertence nem os afecta; ainda se tomam por benfeitores e, nos casos mais graves, lúcidos economistas.
Estas contas, é claro, pecam por sumárias, além de incorrectas: falta falar, pelo menos, no subsídio de alimentação, no seguro contra acidentes de trabalho e no efeito dominó que o aumento do salário mínimo tem entre os salários que já estão acima; e 2.394,00€ a dividir por 231 (dias efectivos de trabalho, por ano, em média - 21x11) não dão 6,5€/dia mas sim 10,36€.
Mas este não é o ponto. O ponto é que há um microempresário que diz que, com o novo salário, terá que fechar as portas. Isto pode, no caso, ser verdade ou não. Mas, se não for neste caso, é-o em muitos outros, olá se é, e nem todos micro. E sobre quantos são, e quem são, ninguém sabe nada.
Nem precisa, pelos vistos. Qualquer empresário dos que o empreendedor Saraiva diz que representa dirá com gravidade e orgulho, se inquirido na matéria: na minha empresa não tenho colaboradores a ganhar o salário mínimo - todos estão acima disso, em muitos casos substancialmente acima. Do senhor Presidente da República para baixo todos os políticos, responsáveis disto e daquilo, economistas, professores, isto é, quem esteja direta ou indirectamente sentado à mesa do Orçamento ou do das empresas majestáticas protegidas da concorrência pela Lei, os usos, os reguladores e a agenda telefónica, dirá, inclinando a cabeça, o ar subitamente sério e profundo: Portugal não pode apostar no modelo dos salários baixos.
Isto dizem eles. E mesmo que alguns saibam que não existem modelos de salários altos, o que existe são economias fortes que os permitem, mas que não são automaticamente induzidas por aqueles; e mesmo que a generosa iniciativa do legislador, dispondo sobre o que não lhe pertence, vá criar fatalmente umas quantas falências e impedir uns quantos jovens de encontrarem o seu primeiro emprego (quantos? – ninguém sabe nem quer saber): sempre o abençoado novo salário mínimo, irrefragável conquista da Esquerda, verá a luz do dia, para evitar esse trunfo nas mãos dela na campanha eleitoral.
"Uma empresa que não pode gastar mais 13€/dia com os seus trabalhadores, não é uma empresa, é, perdoem-me a expressão, um saco de merda que lastra a economia e o país," diz com indignação o comunista. Salvo melhor opinião, o que lastra o país são os que recebem subsídio de desemprego ou nem isso - que a empresa que paga mal não custa ao erário público nada, antes para ele contribui; e os que, existindo tanta empresa mal gerida, não lhe aproveitam a falência para, comprando-a ao preço da uva mijona, a gerirem bem, como podia fazer tanto gestor desaproveitado e tanto sindicalista a fazer carreira na propaganda e na berrata.
O Governo da Venezuela resolveu promover a indústria de louças sanitárias, em particular o bidé, aproximar os cidadãos da natureza e da higiene, recomendando o consumo de água e sabão, e preservar as florestas, poupando no papel.
É este o significado da escassez de papel higiénico naquele país, que a bloga nacional tem verberado com piadas de gosto duvidoso, que além do mais deixam no ar suspeitas sobre a brancura de alguma roupa interior de muito blogger prestigiado.
Mas não apenas entre nós: o Guardian declara solenemente que "First milk, butter, coffee and cornmeal ran short. Now Venezuela is running out of the most basic of necessities – toilet paper".
A mais básica das necessidades?! Só se for para vós, ó filhos da Ilha! Que um verdadeiro cavalheiro ou uma verdadeira senhora não acham o rolo de papel absolutamente indispensável nem dele fazem grande uso, excepto se tiverem o azar de aterrarem em instalações mal equipadas, caso em que o risco é grande de se entupirem os esgotos.
Contudo, não é destes assuntos escatológicos que me quero ocupar, mas do salário mínimo: este senhor acha que a falta de papel deriva do controle de preços, e que, tal como o preço máximo ignorando o mercado provoca escassez, o salário mínimo provoca desemprego.
A mim convenceu-me, embora converter convertidos não requeira grandes esforços de argumentação.
Belmiro disse o óbvio: sem salários baixos não há emprego. Não é que não haja empresas que paguem salários altos - há; não é que não haja empresas que, podendo pagá-los, se abstenham - há. Porém:
1) As empresas que, podendo pagar salários mais altos, não o fazem, correm o risco de ver os seus melhores trabalhadores voarem para a concorrência. Se a empresa pode pagar salários mais altos isso quer dizer que está de boa saúde. E não é normal em pequenas e médias empresas uma receita que funciona manter-se indefinidamente sem que alguém a copie;
2) As diferenças abissais entre o que ganham os membros da administração e os trabalhadores são típicas de sectores protegidos da concorrência, ou nos quais a concorrência real é uma ficção (banca, energia, combustíveis, etc.), grandes empresas que, pelo volume de negócios, permitem remunerações da administração que, ainda que significativas, pouco pesam na estrutura de custos (na grande distribuição, por exemplo); e empresas de nicho que, por obstáculos à entrada ou simples qualidade da gestão - que não se decreta - alcançam resultados atípicos;
3) A ideia quase pacífica de que não é possível competir pelos salários baixos porque haverá sempre quem os tenha ainda menores (China, Vietname, Cazaquistão, o catano) é falsa. A proximidade, a flexibilidade, as pequenas quantidades, as condições de pagamento e o prazo de entrega, por exemplo, podem permitir (e permitem) vender mais caro do que a concorrência de países mais baratos. Mas isso não quer dizer que o preço se torne irrelevante e que possa acomodar o nível de salários que os poderes públicos e as organizações daninhas para a criação de emprego, vulgo sindicatos, estimam desejável;
4) A imaginação, a criatividade, a diferenciação, podem permitir (e permitem) a sobrevivência de muitas empresas, por demencial que a fiscalidade se tenha tornado, por ineptas que sejam as decisões que afectam a vida das empresas, por permeáveis que sejam os poderes públicos à influência dos sindicatos, numa palavra - por intrometido que o Estado seja. É fazer o bypass ao Estado, diz um consultor de gestão que estimo e admiro. Mas acreditar que os empresários criativos, inovadores e dinâmicos brotam de nenhures pelo expediente de lhes colocar obstáculos no caminho - requer, não lógica, mas fé.
5) Políticos, pensadores, economistas, sociólogos, sindicalistas, consultores, falam de modelos - ele há o modelo dos salários baixos, que faz os países pobres, e o modelo da tensão salarial, que os faz altos. Disparates: há países sem salário mínimo mas com salários altos, sem salário mínimo e com salários baixos, com salário mínimo e salários altos, e ainda com salário mínimo e salários baixos. Na situação em que o nosso País está, e na que estão os países para onde vai a maior parte das nossas exportações, aumentar os salários quer dizer aumentar as falências.
Ah, é verdade, os desempregados não pagam quotas a sindicatos. E boa parte dos que falam destas coisas nunca fez, não faz nem fará empresas. Nem precisam: recebem do Estado, estão nos cafés, cujas mesas estão inçadas de gestores de grande qualidade que nunca tiveram as condições para a porem à prova, ou imaginam que centenas de milhares de empresários à rasca estão à espera que o legislador os esprema um pouco mais, a fim de aumentarem os preços conservando os clientes, ou consumam os tesouros de imaginação gestionária que não têm visto a luz do dia, ou que vão buscar debaixo do colchão o tesouro acumulado com a exploração dos trabalhadores.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais