Sobre o tamanho do Estado, os serviços que devem ou não desaparecer, as características comportamentais dos funcionários públicos típicos, o que são e para que servem as instâncias de supervisão, quase toda a gente tem uma opinião.
Eu também, e como os mais uma opinião ideologicamente condicionada; com a diferença de que, dada a natureza da minha profissão e as particularidades do meu feitio, feita também de vasta experiência.
Ontem, enviei o e-mail seguinte ao Instituto de Seguros de Portugal. Os detalhes da história, que estão naturalmente omissos, não interessarão. O que interessa, a meu ver, é perceber-se de que forma uma entidade supervisora interpreta a sua missão.
Exmo. Senhor dr. xxxxxxxxx xxxx xxxxx:
Exma. Senhora dra. xxxxxxxx xxxxx:
Notamos a V/ carta de ontem, da ref.ª xxxxxxxxxxxxxxxxxx, à qual passamos a responder:
Antes de mais, manifestamos a n/ alegria por constatar que VV. Ex.ªs seguem no desempenho das altas funções que lhes estão cometidas: já admitíamos que, sendo o nosso último contacto de Abril último, salvo erro, sérias perturbações teriam impedido respostas tempestivas; e outrossim, com pedido de desculpas pela excessiva familiaridade, confessamos a n/ esperança de que o período de férias, que neste hiato interveio, tenha servido para um merecido e gratificante repouso.
Receamos que o assunto, embora infelizmente não tenha perdido actualidade, esteja, no que toca à intervenção do Instituto de Seguros de Portugal, prejudicado; porque demos entrada de uma acção contra a Companhia de Seguros xxxxxxxxx, na esperança de que o Senhor Juiz veja o que o ISP nunca viu, isto é, a razão que nos assiste.
Permitimo-nos, ao apresentar comovidamente as nossas despedidas, agradecer a diligência que puseram em veicular a posição da companhia de seguros em causa, repetindo reiteradamente o que ela própria já nos havia dito, e que esteve na origem da nossa ousadia em solicitarmos a intervenção do organismo de soi-disant supervisão.
Porém, ousamos sugerir, a benefício de outras empresas, que, ao menos, se abstenham VV. Ex.ªs no futuro de ministrar aulas de Introdução ao Estudo do Direito, mormente invocando disposições legais que de modo nenhum se aplicam aos casos em apreço: o empresário, se não tiver formação jurídica, tem senso; e costuma estar provido de assessoria, se o senso não chegar.
Fiquem VV. Ex.ªs muito bem, que nós ficamos melhor
Graças a Deus.
Eu não disse? As instâncias europeias que superiormente nos regem sabem onde estão os melhores; e põem-nos asinha a dar palpites.
Teremos portanto entre 500 e mil novos funcionários pagos a peso de ouro e com estatuto fiscal de excepção; e nos bancos nacionais ninguém será despedido - se estiverem a mais na supervisão mudam-se para a previsão económica, após a adequada formação na leitura das entranhas de animais de cor branca, devidamente imolados.
Ou seja, a Europa está dando fortes sinais de encarar o problema do desemprego. São apenas 500 postos de trabalho, mas de grande qualidade - e as dunas, mesmo as grandes, são feitas de grãos de areia.
Mas isto são os postos de trabalho directos. Porque, para responder às exigências do novo organismo, haverá um acréscimo de custos com papeladas, informática, viagens, inspecções e informações - e gente para se ocupar de tudo isso.
Nada que os clientes dos bancos não possam pagar. E não é mesmo isto que define as economias avançadas - economias de serviços?
O diabo é se os bancos com práticas pouco recomendáveis se derem ao trabalho de as esconder; e se as informações não forem fidedignas. Conforme Constâncio esclareceu aquando do caso BPN, como é que podia adivinhar práticas ilegais, nos milhões de informações que recebia?
Mas não vamos ser pessimistas: em falhando a supervisão, reforça-se a supervisão; e se isso falhar, cria-se um novo organismo. Agora o que não se pode é parar o progresso - do asneirol.
Sobre esta notícia, escrevi no feicebuque:
"Um verdadeiro choque. Nunca me passou pela cabeça que as gasolineiras, EDP, Vodafone, TMN, Optimus, bancos, seguradoras, fossem quadrilhas de aldrabões."
Ironia barata, já se vê. E devia ter escrito antes "companhias majestáticas", para incluir a RTP e a TV Cabo, as fornecedoras de água e as mais de que me esqueço, isto é, todas as empresas que fornecem bens essenciais, ou muito desejados, e que têm as suas relações com os clientes especialmente reguladas por lei (como a RTP), contratos de adesão (quase todas), supervisão (bancos, seguradoras, Galp), ou ainda por combinações de tudo ou parte disto.
A supervisão tem como objecto declarado "defender o consumidor", incentivar as "boas práticas" e outras intenções piedosas.
É preciso porém não ter experiência de vida para imaginar que o Banco de Portugal protege os clientes dos bancos - tirante o estatuto especial dos funcionários e em particular o dos dirigentes, o Banco de Portugal tem abundantemente demonstrado que não protege coisa alguma; a supervisão do sector dos combustíveis é uma anedota triste; e ninguém conhece o Instituto de Seguros de Portugal, mas quem já foi vítima de "sinistros" sabe o que é a bem oleada máquina da procrastinação das indemnizações.
Às vezes, salta para a opinião pública um caso mais caricato, como é este que a DECO denuncia. E o resultado da denúncia será o do costume: não é bem assim, a Alta Autoridade de Não Sei Quê não tem meios ou não tem competência, não há provas, quem foi aldrabado que não fosse parvo, no entretanto aguardemos o resultado do "inquérito" - ficamos com horror da Inquisição mas mesmo assim conservamos o gosto dos inquéritos, ainda que sem as fogueiras.
Há talvez alguma coisa a fazer, não para eliminar - não é possível - mas para diminuir o abuso: facilitar a imposição judicial de sanções sob a forma de indemnizações a atribuir aos lesados, não apenas para os ressarcir dos danos, mas também para castigar pessoalmente os responsáveis pela ofensa (punitive damages, um conceito que suponho alheio ao nosso ordenamento); e incentivar, sendo possível, o reforço da concorrência.
Agora, a solução da DECO é que não: "Em consequência das conclusões do estudo, a associação diz ser urgente a criação de um regulador para o setor que defenda os consumidores e fixe coimas realmente eficazes".
A DECO, coitada, devia remeter-se a estudos comparativos e deixar as "medidas" para quem de direito. Porque o que sugere é a vulgata de esquerda: mais serviços públicos, mais funcionários, mais supervisão - supervisionar a supervisão, neste caso e, aquando do inevitável falhanço, a apurar noutro estudo daqui a uns anos, supervisão da supervisão da supervisão.
Faço votos que quem refina não se lembre de baixar à qualidade do gasóleo branco, a fim de ficar justificada a diferença de preços. É que nestas coisas a impotência é a regra; e o efeito perverso também.
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