No momento em que escrevo não se sabe se realmente o parlamento grego vai engolir esta pílula amarga e, em caso afirmativo, se a populaça vai partir montras e queimar carros em quantidade recorde.
O meu palpite é que sim, vai engolir, e não, as manifestações não serão daquelas de entupir a praça Syntagma: pode haver uns quantos desacatos, mas as massas ficarão resignadamente em casa - é um governo de esquerda, man, e os governos de esquerda fazem, quando podem, o bem, e o mal apenas quando não têm outro remédio, caso em que a culpa é dos imperialistas, dos inimigos de classe, dos plutocratas, dos americanos, dos fássistas e do carago, em suma, dos outros.
Pode não ser assim. A política grega é de tal modo extravagante que prever os seus desenvolvimentos é como adivinhar o tempo que fará no próximo mês de Setembro: há-de estar calor, excepto se fizer frio.
O absurdo de fazer aos eleitores uma pergunta prolixa, mas que se resumia a saber se aceitavam ou não a austeridade imposta pela tróica pelas instituições, recomendando o não, para de imediato agir como se a resposta tivesse sido o sim, desafia a imaginação.
Tanto que as teorias conspirativas fervem: o medo de Putin, o secreto desejo de que a resposta ao referendo tivesse sido o contrário da que foi, as instruções de Obama a Merkel, um acordo tácito de que o programa não é para cumprir, tudo serve para explicar o volte-face.
Nesta entrevista, que se não for do próprio será de alguém muito próximo de Varoufakis, o Gato das Motas, encontra-se, creio, a chave da irracionalidade. Nela se reconhece que as autoridades sirízicas “underestimated” o poder de Schäuble, Dijsselbloem e de todos os outros. E confessa-se uma grande estranheza por os credores estarem preocupados com os seus bancos e os seus créditos, e nada com a legitimidade do governo grego, as suas credenciais democráticas, os direitos humanos: "... the Eurozone is completely undemocratic, an almost neo-fascist euro dictatorship".
Pois subestimaram. E, salvo melhor opinião, ao eleitorado grego, como a eleitorado nenhum, convém que o seu governo subestime seja o que for, muito menos num assunto de tão transcendente importância. Nem se admite, senão a motards beatniks, que imaginem que, por apresentarem como reféns filas de velhos nas ATM, possam decidir o que fazer com o dinheiro dos outros.
Como diz o entrevistado: "We went to a war thinking we had the same weapons as them". Não tinham, claro. E também não tinham, nem têm, juízo: "If he could negotiate with one at a time for an hour, the deal would be struck in a day". Varoufakis, Yanis, até pode ser que, de teoria dos jogos, saibas alguma coisa. De conselhos de administração não entendes nada: os votos não são por cabeça, são por quotas. E quem não quiser tem um bom caminho: sai da sociedade.
Era o que eu faria, se fosse grego.
Portugal não cumpriu as metas do MoU, não atingiu os défices orçamentais a que se comprometeu, reescalonou a sua dívida já por diversas vezes e paga juros ridiculamente baixos no mercado secundário, o que lhe tem permitido ir trocando dívida cara por mais barata, além de ter um pecúlio ao canto da arca, por mor de obviar a parte dos riscos das maluqueiras sirízicas. A dívida pública, essa, teve que acomodar um alargamento do perímetro, por os nossos patrões estatísticos irem depurando os seus critérios à medida que vão vendo o resultado da sua inépcia, e fingindo acordar para as vigarices e os alçapões a que fecharam os olhos. Não se sabe - eu não sei - se neste momento já parou de crescer, ainda que seja seguro que o ritmo a que cresce, esse, tenha vindo a diminuir.
Uma parte deste moderado sucesso resulta de o BCE garantir que será o contribuinte europeu a pagar o patau das asneiras das governações socialistas, domésticas e estrangeiras, e não os investidores, até há pouco tempo crismados de especuladores; e outra de o nosso governo ter ignorado boa parte do escarcéu dos indignados, okupas e crescimentistas sortidos.
A Grécia vem abalar este consenso feito de realismo e hipocrisia: como cresceu mais do que nós, porque se endividou mais do que nós, a queda foi maior quando chegou a hora de fazer contas; e o FMI, com característica imprudência, e as instituições europeias, com a obsessão da defesa do Euro, consentiram no arrastar de pés de uma classe política tradicionalmente corrupta e oligárquica, até que, já na praia, mas tarde de mais, uma população sem esperança escolheu uma quadrilha de comunistas aggionarti para tomar conta do barco.
Não é impossível que, a prazo, a história acabe bem - o resultado do referendo é um bom começo, se as instituições europeias não cometerem o erro de tentar curar a gangrena com o penso de um novo acordo, com ou sem perdão, com ou sem reescalonamento.
A Grécia deve, é claro, sair do Euro, porque o módico de crescimento a que timidamente chegou antes do Syriza não é mais possível; nem é concebível que, com o programa daquela agremiação (os ricos, estrangeiros e nacionais, que paguem a crise, que nós vamos aqui crescer à boleia do consumo das massas e do investimento público) haja outro futuro senão a dívida pública, e o respectivo calote, evoluírem da estratosfera para a mesosfera.
Sob a direcção do Syriza, nenhum acordo, por generoso, será cumprido; nenhum crescimento será possível - o capitalismo tem uma inclinação inelutável para acabar, quando gerido pelos seus inimigos. E nem mesmo o suplemento de alma que a dracma dará, sob a forma de incentivo ao turismo, à marinha mercante e exportações, depois de vencido o inferno dos dois ou três primeiros anos, será bastante - se os gregos não se livrarem do Syriza.
Livrar-se-ão, ou os militares por eles. E poderão, talvez, regressar a prazo ao seio das nações normais, depois dos credores lamberem as feridas do calote, no sentido de que deixarão de estar todos os dias nas notícias: a revolução é bonita, pá, mas Trotsky nem entre os seus camaradas teve um sucesso duradouro.
Isto para eles. E para nós? Vamos, é claro, encostar a barriga ao balcão, na parte que nos toca - mas isso é o menos. O mais seria que desta triste história se retirassem as lições que ela comporta, e que são: i) Quanto mais Juncker, Dijsselbloem e os outros apparatchiques falarem, pior. Ninguém realmente os elegeu para coisa alguma e ninguém entende com que legitimidade tomam decisões que afectam a vida das pessoas, ao mesmo tempo que quem realmente a tem, a legitimidade, que são os governos eleitos, fica na penumbra do diz-que-disse; ii) A moeda própria é uma válvula de segurança para os desmandos do mau governo, a alheia não é; iii) A bicicleta de Delors, Miterrand, Kohl e os outros putativos génios da casa europeia encravou de vez: não é só a Grécia que está desacreditada aos olhos de quem tenha algum de seu e não navegue nas águas do esquerdismo das causas - também a Europa pela qual a elite bem-pensante ainda jura sai do descalabro mergulhada na desconfiança e na descrença.
Ainda bem. Se o episódio tivesse servido para alguma coisa deveria ser para uma nova geração de europeístas defender a livre circulação de pessoas, bens e capitais, e uma pauta aduaneira comum; mas também a negociação permanente e a regra da geometria variável, isto é, uma Europa à la carte, sem legislações supra-nacionais cozinhadas por anónimos inimputáveis no segredo dos gabinetes. E, é claro, criar mecanismos para o abandono da moeda comum, uma falha ostensiva para cuja resolução os tontos defendem uma fuga para a frente.
É preciso fugir sim - para trás, para a Europa das nações, umas com sucesso, outras nem por isso, outras meio falhadas, que encontram nessa diversidade a emulação e o incentivo para fazerem melhor.
Mas só vai suceder à chibatada, que burros velhos não andam às arrecuas, de mais a mais quando essa andadura lhes roubaria as cenouras com que se atocham.
Há cinco meses que não fazemos mais nada senão discutir as declarações de Tsypras, as toilettes de Varoufakis, o futuro do Euro e da UE, e as consequências que terá para nós o Grexit.
Estou farto: é o caso de dizer que nem a velha morre (a velha é o Euro) nem a gente almoça (almoçar, aqui, é sabermos as linhas com que nos havemos de coser).
Da última vez que escrevi sobre o desastre grego, há dias, disse:"...Que a Europa fará tudo, mas tudo, inclusive adoptando um tratamento completamente diferente daquele a que Portugal e Irlanda tiveram direito, desde que a Grécia finja que vai cumprir um programa de austeridade".
Aparentemente, calculei mal. Não porque a Europa não esteja disposta a fazer tudo - ainda agora se admitem novas cabriolas ("European Commission President Jean-Claude Juncker appealed to Athens to accept the deal proposed by international creditors last week while holding out hopes that some extra tweaks could still be possible") - mas porque critérios de racionalidade não servem para analisar comportamentos demenciais.
Entendamo-nos: eu sempre achei - hoje em dia toda a gente acha, valha-os Deus - o Euro uma moeda disfuncional. Pode-se estar do lado daquela minoria que, com bons e maus argumentos, acha que não se corrige um erro somando-lhe outros, que é onde estou; e pode-se estar do lado daquela maioria (entre nós esmagadora) que entende que é precisa mais integração, mais governança europeia, mais centralismo bruxelense e mais solidariedade, que é a designação eufemística para a chulice dos subsídios, deixando para os parlamentos e os governos nacionais tanta autonomia, ou ainda menos, do que a que têm, em relação a Lisboa, os actuais governos das ilhas. As pessoas defendem isto e dizem-se patriotas, decerto por se rebelarem contra a descaracterização do galo de Barcelos, que ninguém deseja, e o abastardamento do caldo verde, que infelizmente já se vai praticando.
Sucede porém que o extraordinário Syriza ganhou as eleições com má-fé: como os gregos querem no bolso uma moeda forte, na economia o crescimento vigoroso que o crédito barato lhes deu antes da crise de 2008 e no amor-próprio a convicção de serem um país europeu desenvolvido, haveria que lhes prometer isso tudo - mas sem pagar dívidas e pelo contrário requerendo financiamento para um programa bolivariano de desenvolvimento. O caso é único: Lenine terá dito que os capitalistas haveriam de vender a corda com que seriam enforcados, mas a dupla de bloquistas refina o leninismo a ponto de querer que a corda seja dada.
Não sei ainda qual será, exactamente, a pergunta do referendo, mas pelo que se vai lendo parece que inquirirá se o eleitor aceita o plano de austeridade da troica, ou não. A pergunta, feita assim, é desonesta, porque a austeridade é inescapável: ou é a versão, ainda que edulcorada, imposta pelos credores, ou será a violenta, decorrente do estancar dos financiamentos e do abandonar do Euro (nesta hipótese, o demente Varoufakis, numa bravata grotesca, ameaça com o tribunal, como se não tivesse que imprimir dracmas para pagar despesas do Estado no caso de lhe secarem as fontes de financiamento).
Tudo visto e ponderado, se fosse grego, no Domingo votaria não. Daniel Hannan, que tem pelos gregos ternos sentimentos que não acalento - cada povo tem, em regime democrático, os governantes que merece, e paga o preço das escolhas que faz - explica aqui por que razões os gregos devem querer sair do Euro. Todo o artigo vale a pena, se não fosse por mais nada porque o discurso pró-europeu é em Portugal sufocante e enviesado: apoias o governo, o rigor orçamental e a austeridade? Ah, então és a favor da Europa neoliberal; és a favor da Europa, mas com mais investimento público, défices, reescalonamentos de dívida? Bom, és do PS, e do BE se também quiseres perdões de dívida impostos aos credores. E finalmente: és contra o Euro? Então ou és comunista ou aluno do prof. Ferreira do Amaral.
Transcrevo abaixo dois parágrafos de Daniel, que subscrevo, e um em que não o acompanho, pelas razões que explico.
"Then again, ‘No’ has a powerful resonance in Greece because 75 years ago, Benito Mussolini demanded that Greece allow Italian troops to land unresisted. The Greek prime minister’s laconic reply ‘Ohi!’ (No!), is celebrated every October on Ohi Day".
"For, whatever Mr Tsipras’s faults (and, believe me, they are many) at least withdrawal from the euro will offer his countrymen some hope of recovery. It is true that the short-term consequences will be difficult, but a clean default, followed by a devaluation, would at least allow Greece to start growing again".
"It is true that, in the long run, a devaluation does not solve anything, but it buys the stricken country precious time in which to make reforms". Claro, no longo prazo a desvalorização não resolve nada, pelo que seria preciso, para um crescimento robusto e sustentado, que mais adiante na estrada os gregos se livrassem dos sirízicos que o desespero os fez eleger, e entregassem o leme a gente que saiba fazer, sem a pecha do crony capitalism e da corrupção, as reformas de que o país carece.
Essa gente existe? Não faço ideia. Também por isso, que Zeus ilumine os gregos no Domingo.
Eu e Jorge Jesus somos possivelmente os dois únicos cidadãos que não têm, sobre a crise grega, ideias claras. E sobre a ignorância que lhe assaco não estou absolutamente certo: é possível que a ausência de opiniões conhecidas se deva ao facto de os jornalistas, incompreensivelmente, não o inquirirem sobre o estado de alma, e as verdadeiras intenções, do engenheiro Alexis e do professor Varoufakis.
Talvez ele, desde logo com a vasta experiência que se lhe reconhece sobre a moda actual no seio dos futebolistas de sucesso, pudesse esclarecer o significado das toilettes: aqueles dois celebrados estadistas não usam gravata porquê?
Os políticos, homens e mulheres, com mais ou menos gosto, ou sobretudo falta dele, vestem-se com discrição porque pretendem que os imaginemos sérios, preocupados com a coisa pública, e portadores de ideias salvíficas e profundas que não casam com vestimentas fora do convencional. E porque, se não fosse assim, em vez de ouvirmos com preocupação a mais recente declaração da chanceler Merkel, ou o último discurso pós-prandial do senhor Juncker, comentaríamos a minissaia com a qual a senhora se apresentaria aos senhores deputados no Bundestag; ou o débardeur e os shorts com os quais, nestes dias de calor, o senhor presidente da Comissão se dirigiria aos jornalistas - duas possibilidades, de um vasto leque, verdadeiramente aterradoras.
É certo que, entre nós, alguns deputados se apresentam no Parlamento de pijama; e no país aqui ao lado há pelo menos um político de sucesso que tem um aspecto excessivamente piolhoso. Mas não estão no Poder executivo - aquela dupla está.
Está e não optou pelo look décontracté chic por acaso - aquilo significa alguma coisa. Jorge Jesus, com a sua chiclete, o seu penteado e o seu conhecimento dos meandros da moda entre a juventude dourada, poderia certamente descodificar - mas só lhe fazem perguntas sobre o plantel para a próxima época.
Quanto às outras dúvidas, não vejo especialista que nos esclareça: o que é que Obama tem dito a Merkel que a fez ficar tão maternal e tão predisposta a cedências às cigarras gregas? O que foi que Tsypras e Putin combinaram, se alguma coisa? O Syriza em geral, e a dupla dos Louçãs bem-vestidos, acham, como os eleitores, que a Grécia está melhor no Euro, ou entendem que estaria melhor fora, caso em que, na realidade, gostariam de ser empurrados? O colossal aumento de impostos, que parece que aceitaram, é para valer ou um expediente para mergulhar a Grécia num caldeirão revolucionário?
Não sabemos. Que sabemos então? i) Que a Europa fará tudo, mas tudo, inclusive adoptando um tratamento completamente diferente daquele a que Portugal e Irlanda tiveram direito, desde que a Grécia finja que vai cumprir um programa de austeridade; ii) Que os Gregos continuarão a querer comer o bolo e guardá-lo, uma vez que não podem imaginar-se fora do Euro, mas necessitam transferências permanentes de outros países; iii) Que o querido projecto da União pode progredir, agora com a evidente necessidade da união bancária, fiscal, orçamental, criminal e outros ais, para evitar novas grécias; iv) E que, qualquer que seja a solução encontrada, nenhuma funcionará.
Quer dizer: eu sei; Jorge, talvez, também: o homem pode exprimir-se no dialecto das classes mais desfavorecidas da Amadora, mas burro não é.
O Syriza aumentou o salário mínimo em mais de 28%, ou seja, reverteu os cortes salariais da troica de uma penada.
Não é difícil perceber, mesmo para os alucinados que os Gregos elegeram, que as empresas não podem pagar. Algumas terão reservas para aguentarem este embate apenas durante algum tempo; outras poderão, ao menos em parte, aumentar os seus preços para compensar; outras ficarão a dever um tanto, e seja o que Deus quiser; muitas, já em situação difícil, fecharão; e como o caminho dos despedimentos será dificultado por também serem reintroduzidas regras de negociação colectiva que estavam suspensas, se este bodo fosse avante haveria uma nova convulsão social, visto que a economia grega não aguenta uma nova vaga de falências.
Nisto como no resto o engenheiro Alexis e o Prof. Varoufakis devem saber o que estão a fazer. E como a lógica não é uma batata esta explicação, de um europeísta convicto, faz todo o sentido: que se lixe a Europa do Euro, do equilíbrio orçamental, dos mercados, do Tratado Orçamental, dos jogos intermináveis de poder, e da preponderância da maldita Alemanha. Ou a Europa, o BCE e o Eurogrupo se convertem à lógica da expansão da dívida e do investimento públicos, da desvalorização do Euro, e do abandono da austeridade, a par de aumentos salariais nos países com contas públicas equilibradas, para estes desatarem a importar, ou então mais vale sair. E como o eleitorado grego isso não quer, há que levá-lo a não ter quereres, por ser forçado a sair, ficando o Syriza a capitalizar o ressentimento.
Bem visto. E o novo salário mínimo (que aliás empurra todos os salários que não são mínimos para cima, como sempre acontece) pode bem ser de 28%, ou até mais, porque o novo dracma, que será cotado ao quilo, permite qualquer aumento, que a inflação se encarregará de corrigir.
A ser isto assim, o muito democrático Syriza e as muito democráticas eleições foram uma vigarice, porque o programa que os Gregos sufragaram incluía uma reserva mental.
Não existisse o Euro (ou existisse mas a Grécia a ele não tivesse aderido) e as eleições pouca importância teriam para nós: que a inflação local andasse pela estratosfera; que os corruptos socialistas locais ou os corruptos direitistas locais ganhassem; que o FMI já lá tivesse ido algumas vezes, antes, muito antes, de a dívida pública atingir níveis demenciais e antes, muito antes, de o país ficar em frangalhos - não seria da nossa conta. E, é claro, os radicais de esquerda nunca chegariam ao Poder - só o desespero explica, num país moderno, ocidental e relativamente desenvolvido como a Grécia é, este desenlace.
Infelizmente, é da nossa conta, não apenas porque também encostamos a barriga ao balcão em caso de bancarrota ou perdão de dívida, mas também porque as ondas de choque da débâcle chegarão aqui: a pertença ao celebrado clube europeu tem isto de singular - os nossos problemas são nossos e os dos outros também.
Talvez, no meio da ansiedade geral, não seja despropositado lembrar que esta história pode acabar bem. Se a Grécia sair, e a convulsão e miséria que se seguir não trouxerem uma nova junta de coronéis, os Gregos em devido tempo despacharão o dinâmico Alexis e a sua troupe para as universidades e os cafés de onde nunca deveriam ter saído; a Grécia, sem défice porque ninguém o financia, em algum momento baterá no fundo e recomeçará a crescer, tanto mais cedo quanto um governo razoável regresse à mesa das negociações; e o instrumento da desvalorização da moeda, que não é a receita para uma economia sã, mas é a receita para corrigir erros próprios, será uma alavanca poderosa para o ressurgimento - como o FMI nunca se priva de recomendar, se não vier em parceria com os guardiães do templo do Euro.
Pelo que não é de excluir que da experiência grega se retirem alguns preciosos ensinamentos. Nada mais justo, vindo de um país onde há mais de vinte e cinco séculos nasceram algumas ideias que nos são caras. Não havia nenhuma União, naquele tempo, o que havia eram cidades-Estado. Mas foi lá que o Império Romano aprendeu duas ou três coisas. A História é isto: não há nada de novo debaixo da roda do Sol.
Francisco Louçã ganhou as eleições na Grécia e os comunistas, que o desprezam, gabaram-lhe o feito; Costa, que o acha pouco credível na Europa, e demasiado radical nas medidas para a economia, também. Catarina Martins, a excelente menina que por razões obscuras lidera o BE, essa, delirou - compreensivelmente.
A esquerda existe, e o PS faz parte dela, mesmo que os comunistas gostem de acreditar, e dizer, que não. Não é novidade (os comunistas já votaram em Soares, ainda que tapando o nariz, quando tiveram que escolher entre ele e a direita fássista, de cuja pertença Soares foi naquela maré desonerado) mas a reacção às eleições veio separar as águas e recordar-nos que se o centrão é suficientemente confuso para haver gente que está no PSD que poderia estar no PS, e reciprocamente, os dois partidos não são iguais.
Isto é bom. Há um nós e há um eles. E confirma para todos os bem-pensantes que sonham com blocos centrais que não apenas o PS não aprendeu nada com as três falências pelas quais é responsável mas também, se puder, tomará providências para conquistar uma quarta.
Porque o programa do Syriza, no que toca a medidas económicas e sociais, é um delírio (suspensão de pagamentos, renegociação de juros, aumento de impostos sobre empresas, utilização dos edifícios do Estado, bancos e Igreja para albergar sem-abrigo, cuidados de saúde grátis para certas categorias da população, investimento público, aumento do salário mínimo para 750 Euros, e um longo etc.). Ora, não é razoável deixar de ver que o eleitorado grego pode, por puro desespero, ter optado por caminhos que conduzem fatalmente ou à traição das promessas ou à saída do Euro. Mas partidos portugueses responsáveis, que não estão sob a pressão da desesperada situação grega, têm a obrigação, excepto o PCP e os lunáticos do BE, de ver que o programa do Syriza implica que, no resto da Europa, vigore também aquele tipo de solidariedade que consiste em dizer: sustentem-nos, se querem que o Euro não vá ao ar.
O PS, com austeridades, não quer nada. E Costa só não se comprometeu ainda senão com algumas das muitas benesses com que está disposto a acenar para comprar votos porque não tem a certeza se a Europa vai bancar.
Até pode ser que a burocracia europeia compre, numa versão edulcorada, a chantagem do Syriza. Mas tarde ou cedo os eleitorados dos países pagantes darão um murro na mesa. E convém lembrar que se o Syriza teve uma subida meteórica, e o Podemos é a coqueluche para lá de Badajoz, também o AfD pode um dia ganhar.
Costa, coitado, ficou encantado com a Facilitação Quantitativa (os senhores economistas, que eu saiba, ainda não inventaram uma tradução para o acrónimo QE, por isso adianto-me) sem se dar conta que a maior parte da dívida pública portuguesa parqueada no BCE se destina a ser transferida para o BdP, tal como a maior parte de dívida nova.
Por outro lado, a dívida grega pertence agora aos eleitores europeus (nós detemos entre 1,1 e três mil milhões de Euros, não tenho pachorra para apurar o número certo), dado que os bancos já tiraram o cavalo da chuva.
Portanto, se a lógica não for uma batata, o que hoje tanta gente celebra pode ser, de uma maneira ou outra, o fim do Euro.
Eu só não celebro porque o futuro tem uma inclinação excessivamente marcada para ser imprevisível; e porque, mesmo que os Gregos sejam vítimas das escolhas que fizeram, e a luz que julgam ver no fim do clássico túnel não seja mais do que outra clássica locomotiva, não nos devemos regozijar com o mal dos outros - até porque pode ser também o nosso.
O homem é marxista e cómico: nunca teve nada a ver com o marxismo soviético, credo!, as suas inclinações são mais para a tradição marxista francesa, diz sem se rir. O autor do artigo não achou útil esclarecer de que forma se distinguem os marxistas russos dos franceses, para além do hábito deplorável que têm os primeiros de se beijarem uns aos outros com hálito de vodca.
Tal como o seu confrade português, frei Anacleto Louçã, com o qual partilha, além das ideias lunáticas, boas credenciais académicas e o amor das toilettes casual, defende a manutenção no Euro em conjunto com medidas económicas que a tornam impossível:
"Milios enumera as prioridades do partido, uma por uma. Envidaria esforços concertados para ajudar os mais duramente afectados pela crise - eletricidade gratuita para os gregos aos quais o fornecimento foi cortado, cupões de alimentos distribuídos em escolas, serviços de saúde para aqueles que deles necessitam, rendas de casa garantidas para os sem-abrigo, a restauração do salário mínimo ao nível pré-crise de 750€ por mês e uma moratória sobre o pagamento, acima de 30% do rendimento disponível, da dívida aos bancos privados. Ele argumenta que os cerca de 13 mil milhões de Euros de custo de tais medidas poderiam ser na maior parte cobertos por uma redistribuição das receitas do Estado e repressão da evasão fiscal." *
Isto, é claro, para além do perdão de dívida de mais de 50%, a extensão dos prazos e outras formas engenhosas de pagar sem dor, ao mesmo tempo que, sob a lúcida direcção de Alexis Tsipra, a economia começará milagrosamente a crescer.
Ou seja, o homem quer aumentar a despesa pública, não pagar o que deve, exilar os ricos e sufocar a iniciativa privada. E declara que “we will not deal with this on a bilateral level with Germany but in a much wider context".
Por outras palavras, quer uma aliança com os outros caloteiros e acha que há esquerdistas, nos eleitorados e nos partidos no poder no espaço europeu, em quantidade suficiente, conjugada com o medo da deflacção e da implosão do Euro, para uma parte do seu programa ser acomodada pela burocracia europeia de forma que a barca da União prossiga.
Poker, portanto: da sua mão, que é fraca, diz Milios: "Greece, in its weakness, is actually very strong.”
Não estou absolutamente certo que uma versão muito edulcorada do programa não possa efectivamente passar; mas estou seguro de que, se o Syriza ganhar as eleições, e mesmo que lhe estendam a mão, ou faz o que promete e dá com os burros na água, pelo que o eleitorado o atira às urtigas; ou não faz e o eleitorado dá-lhe o mesmo destino. O que se vai passar a seguir é anybody's guess.
Quer dizer que o Syriza não tem futuro; e a Grécia, dentro do Euro, também não, a menos que se entenda que, enquanto o desemprego e a dívida pública crescem (26% um e 177% do PIB a outra, and counting), se podem ir experimentando receitas até dar no bingo.
Entre nós, isto, que devia ser evidente, serve para um combate basicamente desonesto, porque feito de reservas mentais: o PS deseja que os tresloucados ganhem para que apanhemos a boleia do laxismo europeu a haver e Costa possa ter recursos para pôr a austeridade de molho e fazer tranquilamente as suas apostas no crescimento - as mesmas do socratismo, mudando o nome dos actores e dos programas, e abandonando uma ou outra caída em descrédito, como o TGV; e a direita, toda ela, deseja que o Syriza perca, menos porque é uma associação de demagogos e esquerdistas - essas seriam as boas razões - mas mais porque se deseja que o eleitorado português, suspeito de incapaz de fazer escolhas correctas, receba uma lição: estão a ver, estão a ver como a União é o caminho? Com o Syriza havia riscos para o Euro e os Gregos, sensatamente, recuaram - temos que ser bons alunos e fazer muito, muito o que a Alemanha diz.
Eu desejo que o Syriza ganhe porque isso poderia ser o princípio do fim do nó górdio em que a União Europeia se transformou. E se com essa vitória o PS reforçar nas sondagens as suas probabilidades de ganhar as eleições, há tempo mais que suficiente para esses ganhos serem revertidos - os socialistas de todos os bordos, gregos ou portugueses, e quanto mais radicais pior, não costumam precisar de muito tempo para traírem as suas promessas ou escaqueirarem tudo.
*Tradução minha
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