Os negócios em Portugal dos sócios do patrão do melhor amigo do primeiro-ministro seguem de vento em popa.
E isto sou eu, que não acredito em bruxas.
Lembram-se porque é que, depois de uma laboriosa recuperação da falência pela administração do gestor Fernando Pinto, a TAP se voltou a estatelar numa nova falência, que teve como consequência a privatização, porque o Estado estava impedido pelas regras da concorrência de recapitalizar a empresa? Lembro-me eu.
No dia em que, esta gente não tem um pingo de vergonha e só será travada se a justiça um dia fizer o que tem para fazer mas quando ela está envolvida nunca tem feito, a raposa é nomeada para tomar outra vez conta do galinheiro, e é óbvio que os activistas do "Não TAP os olhos" não vão tugir nem mugir, porque o objectivo deles nunca foi a sobrevivência da TAP, mas sempre a do António Costa, vale a pena lembrarmo-nos todos.
Para além das imunidades formais que o exercício do cargo de primeiro-ministro em exercício lhe confere, o António Costa usufrui aparentemente de duas imunidades extraordinárias informais:
Imunidade jornalística
Ao contrário do primeiro-ministro anterior, que viu a sua vida contributiva vasculhada até ao tostão no parlamento e nos jornais, mesmo a da época em que era precário, a comunicação social tem um saudável e manifesto desinteresse pela vida contributiva do actual primeiro-ministro, mesmo a da época em que era milionário. Nunca se viu grande agitação por ele ter acumulado salários completos pelo exercício de funções oficiais em regime de dedicação exclusiva com honorários milionários como comentador de televisão, nem por ter recebido estes honorários a título de direitos de autor para os poder acumular legalmente com os salários completos e, por ser a esse título, serem parcialmente reduzidos a metade para efeitos de imposto sobre o rendimento. Nem a curiosidade que impele os jornalistas a investigar para aprofundar a compreensão de negócios que indiciariam comportamentos de ética duvidosa, quando não crimes graves, se fossem participados por outros políticos, que não ele. Nem qualquer reacção corporativa de indignação colectiva nem individual da classe quando ele injuria ou ameaça um jornalista, em privado ou em público, que qualquer político normal suscitaria se o ousasse fazer. Verdade se diga que o tom labrego com que se dirige regularmente aos parlamentares, e ele hoje estava em forma, faz parecer quase cordatas as ameaças, mesmo em privado, que dirige aos jornalistas.
Os motivos para esta imunidade estranha, ou notável, conforme seja vista da direita ou da esquerda, não são conhecidos com precisão, se bem que haja algumas explicações com um mínimo de plausibilidade, como por exemplo o facto de a mãe ter sido presidente do sindicato dos jornalistas. Mas, ao certo, não se sabe?
Imunidade judicial
A imunidade judicial é ainda mais estranha. Por mais óbvios que sejam os indícios de alguns crimes, por mais estranhos que sejam alguns aspectos de algumas negociatas que tem promovido enquanto governante, a justiça não lhe pega, não o investiga, não o leva a tribunal, não o condena.
É verdade que, na circunstância específica actual em que é primeiro-ministro, a justiça tem algumas limitações nos instrumentos a que poderia recorrer se o quisesse investigar. Também é verdade que a justiça, se abandonou a sua posição lendária de deixar os ricos e poderosos à vontade sem os incomodar, para se tornar particularmente dura, e até talvez mediática acima da dose recomendada para se fazer justiça com seriedade, na perseguição a alguns deles, continua a parecer preferir incidir a sua acção sobre ricos e poderosos has been, tenham eles sido empresários da bola, banqueiros, governantes ou até primeiros-ministros, e a deixar tranquilos os que ainda estão no activo, como ele está. Mas, mesmo quando as fez em alturas em que não tinha funções governativas, ou nos intervalos entre funções governativas depois de as ter feito, nunca lhe tocaram.
E não há poucos exemplos em que o desinteresse da justiça parece demasiado benevolente.
Caso Casa Pia
No caso Casa Pia, o António Costa, actual primeiro-ministro e terceira figura do estado, mas então mero deputado da oposição, foi apanhado nas escutas a conspirar com o actual presidente do parlamento e segunda figura do estado, mas então também deputado da oposição, com o então presidente da república, e o então procurador-geral da república, para tentarem colectivamente impedir a entrada no tribunal de instrução criminal de um processo envolvendo um deputado socialista.
As consequências destas escutas que alguém dentro do sistema judicial, porque ninguém de fora do sistema judicial era já arguido, tinha advogado, ou tinha sequer conhecimento da sua existência, fez diligentemente chegar à comunicação social, foi mais ou menos por essa altura que a justiça passou a ser mais mediática, talvez para se livrar da fama consolidada de deixar os ricos e poderosos impunes, foram a belíssima anedota "Tou-me cagando para o segredo de justiça", a prisão preventiva do deputado que estava a ser investigado por risco de perturbação do inquérito comprovado pela escuta da conspiração dos seus camaradas, e nenhumas para os conspiradores comprovados, apesar de a perturbação de inquérito ser um crime. Não houve nenhum processo aos conspiradores por perturbação de inquérito na forma, pelo menos, tentada.
Siresp
Outro caso pelo menos enigmático foi o negócio do Siresp.
E o assunto parecia arrumado, e a bem da legalidade, da transparência e da ética na gestão dos interesses públicos. Parecia mas não estava. Em vez de pura e simplesmente não fazer a adjudicação, o ministro António Costa decidiu renegociar alguns termos do contrato com o consórcio, prescindindo de algumas funcionalidades e reduzindo o preço, e acabou por fazer a adjudicação por 485 milhões de euros. Em vez de anular um negócio que tresandava a vigarice por todos os lados de onde se olhava, limitou-se a contornar a ilegalidade da adjudicação para o concretizar.
Quem era o advogado da Motorola, uma das empresas do consórcio? O advogado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo e padrinho de casamento do ministro. Parece estranho? Parece.
O processo ainda foi investigado pelo Ministério Público, mas, ou por não haver indícios suficientemente sólidos para isso, ou por a investigação não ter sido suficientemente diligente para os encontrar, foi arquivado. E depois de o António Costa ter saído do governo não se lhe conhecem quaisquer sequências.
TAP
O negócio de alteração dos termos da privatização da TAP, que está a decorrer, também tem aspectos de transparência questionável.
Numa coincidência notável, os interesses do investidor Stanley Ho, que estiveram activamente na origem da queda da TAP, a quem se associou e de quem se dissociou com mais valias no negócio da VEM, acabaram por ser beneficiados com a autorização do governo actual para entrarem no capital da empresa.
Quem era administrador da Geocapital, e continua a ser, quando foi feito o negócio da VEM, e foi administrador da VEM enquanto a Geocapital foi sua acionista? O advogado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo e padrinho de casamento do primeiro-ministro, o mesmo que negociou o processo que também abriu as portas do capital da TAP aos associados das empresas que dirige. Parece estranho? Muito mais do que parece muito mais do que estranho.
A justiça interessou-se pelo negócio de aquisição da VEM pela TAP, que investigou, mas não se conhecem à investigação quaisquer resultados. De que haja conhecimento público, não há qualquer investigação e decorrer ao negócio da reversão da privatização da TAP. O negócio e a extraordinária teia de interesses cruzados personificada no melhor amigo do primeiro-ministro não parecem suscitar na justiça grandes apreensões. Ou, se suscita, são impecavelmente sublimadas e não chegam a aparecer.
A que se deve esta imunidade milagrosa, que tantos políticos que um dia foram poderosos mas depois de deixarem de o ser se viram agarrados nas teias da justiça, e estou a falar de figuras ilustres como o Duarte Lima, o Isaltino Morais, o Oliveira Costa ou a cereja em cima do bolo, o José Sócrates, por quem a justiça se interessou pela participação em negócios, em muitos dos casos bem mais modestos que estes que enumerei e não são exaustivos do curriculum dele, gostariam de poder ter usufruido e não conseguiram? Será por ter privado com advogados ilustres na sua passagem fugaz pelo mundo da advocacia que lhe ensinaram os truques do ofício que mais ninguém conhece? Será por ter redes de amigos da escola e do partido que intercedem por ele na justiça quando ele se mete em alhadas como ele intercedeu pelo seu camarada? Será coisa de lojas e aventais?
Não sei. O que sei é que ninguém lhe toca.
Ontem, a seguir ao almoço, ouvia distraidamente as notícias na SicN, um canal socialista que, por preguiça e hábito, costumo seguir.
Estava a dar uma conferência do simpático e eficiente Ministro da Propaganda, acompanhado do Secretário de Estado dos Transportes.
O prato de resistência era a greve dos pilotos e o secretário Monteiro abundou nas críticas ao sindicato e aos prejuízos da greve, não deixando de chamar a atenção para o falhanço parcial desta, visto que mais de dois terços dos voos continuam a realizar-se. Mas, na sequência das perguntas insistentes de uma jornalista, que não ouvi bem, explicou por que razão o Governo não decretou a requisição civil.
Fiquei a saber que a greve é um direito fundamental, mas tão fundamental, que só em casos extremos pode ser prejudicado com uma requisição civil - cuja aplicação o Governo ponderou, mas rejeitou. Este, em estando em causa os valores de Abril, sofre: por um lado, a periclitante situação do país, os prejuízos indirectos para este, e directos para a TAP, uma empresa falida que, a meu ver, será cara se privatizada por um Euro, a delirante reivindicação dos pilotos, um grupo de meninos mimados - recomendariam que se pusesse cobro, no ovo, à loucura; por outro, a requisição civil abriria uma frente de combate com a esquerda, os comunistas confirmados nas suas alegações de fássismo, o PS a afectar pose de Estado, garantindo que, com ele, não haveria crispação - o PS e o redondo Costa são bons nisso, a descrispar, já o fazem há quatro décadas e três falências.
Sucede que este paleio dos direitos fundamentais não tem qualquer sentido se estes forem absolutizados. O direito à greve nasceu do gritante contraste entre as miseráveis condições de trabalho da mole imensa de operários, incluindo crianças, que foram para as fábricas na sequência da Revolução Industrial, e o trem de vida dos proprietários fabris e plutocratas. E foi acomodado porque o capitalismo descobriu que os operários também eram consumidores, portanto clientes, além de que as ideias social-democratas, na sua versão mais realista, começaram, com boas razões, a inculcar a tese de que é melhor dar-lhes alguma coisa, senão fazem a Revolução.
A greve, onde hoje existe, é pouco isto, e muito um instrumento de barganha negocial para os sindicatos, quando lhes parece que o patronato recalcitrante pode ser espremido.
Lá fora, nuns sítios mais e noutros menos. Mas não aqui: entre nós a greve é um instrumento de chantagem do PCP, que o usa para frear o distanciamento que o país vem ganhando dos valores de Abril, o santo-e-senha de uma sociedade pré-comunista que preenche o imaginário de quanto lunático radical viveu aqueles tempos de 1975, e dos que sobre isso leram três larachas; e o recurso a que também estão dispostas a recorrer as estruturas sindicais de outras obediências quando se lhes firam os interesses, que são os de viver à sombra do Estado, das empresas públicas e das estruturas ditas representativas (sindicatos, federações e Conselho de Concertação), onde os sindicalistas encontram o estilo de vida que não teriam se fossem trabalhadores como os outros.
Mas o PCP não apoia esta greve, pois não? Não, os burros dos pilotos, em vez de dizerem apenas que são contra a privatização, caso em que teriam o apoio entusiástico de toda a gente, do PS, inclusive, para a esquerda, e da sociedade civil, com o cineasta Vasconcelos e outros acéfalos liderando manifestações de patriotas, lembraram-se de uma promessa criminosa do ex-ministro Cravinho, que lhes ofereceu, como bom socialista, o que não lhe pertencia nem podia oferecer - 20% do bolo. E os patetas, não se sabe se de boa-fé, reivindicam o cumprimento da promessa do inimputável, ao mesmo tempo que envidam esforços para que o bolo se reduza a nada.
A explicação de Sérgio Monteiro para não ter havido requisição civil, por tudo isto, não convence. O que houve, da parte do governo, foi calculismo e cobardia.
Calculismo de que o eleitorado haveria de antipatizar com os pilotos, como está a suceder; e de que o PS não conseguiria aproveitar o desastre para benefício da sua propaganda - o que também se está a verificar.
Cobardia porque fazer o que é melhor para o país, mesmo que a opinião pública não goste, requer coragem mas é sentido de Estado; e a falta dele quase nunca é uma boa aposta - a prazo, não me parece que o eleitorado respeite quem o aldraba, de mais a mais com arroubos líricos sobre direitos fundamentais.
O homem defendia que um proprietário pode vender uma empresa com garantias especiais, em matéria de despedimento, para certos trabalhadores mais amigos, ou menos inimigos, do patrão. Dizia este absurdo e, como se o asneirol não fosse suficiente, esclarecia que "o tema é jurídico e tem a ver com isto [os sindicatos que se sentaram e os que não se sentaram], e não de natureza constitucional. Está obviamente garantida a igualdade de direitos para todos, mas os acordos são para cumprir e o que existe é com estes nove sindicatos".
Temos portanto questões jurídicas, em matéria do direito à igualdade perante a Lei, em relação às quais a Constituição não se pode invocar, e igualdades com a característica singular de o não serem.
O assunto não merece discussão e o governante autor da argolada já entretanto deu o dito por não dito, sem ter chegado a fazer passar a ideia de que foi mal interpretado, habitual nestes assados, nem confessar candidamente que o assessor jurídico estava de baixa, razão pela qual supôs que as suas abundantes luzes em assuntos de finanças forneciam claridade bastante para o ajudar a navegar em questões jurídicas. Um equívoco em que não poucos economistas se deixam enredar, mas ei, não é verdade que muito causídico ilustre não sabe somar dois e dois, e mesmo assim opina sobre questões de gestão? Uma mão lavra a outra, e se entrássemos no regime de condenar alguém por causa de deslizes o país entraria em autogestão, por falta de responsáveis, e a Oposição cometeria suicídio colectivo, como as baleias.
Que fique claro: eu acho que o direito de despedir deveria ser muito mais amplo do que a lei permite, e tenho tanto respeito intelectual pela nossa Constituição como o que reservo para a congénere cubana. Mas nem sequer é preciso uma Constituição escrita para saber que a circunstância de pertencer ao sindicato A ou B, ou sindicato nenhum, não é fundamento para qualquer tratamento discriminatório, num Estado de Direito.
Foi um incidente cómico que não terá consequências, fora o natural escarcéu que por aí se faz.
O que é interessante perguntar é por que carga de água o Governo achou útil fazer um acordo com os sindicatos. A privatização estava, e está, decidida; a requisição civil fez-se, e bem, e os sindicatos amoucharam, como lhes competia. Porquê então o acordo?
A declaração do ministro ("a TAP saiu muito mais forte depois deste acordo") faz sorrir, porque ele é uma limitação aos poderes da futura administração e ainda está para aparecer uma empresa que fique mais forte pelo efeito de se lhe amarrarem as mãos face à concorrência; e Sérgio Monteiro, ao considerar que o acordo assinado é a prova de que venceu "o sindicalismo moderno" e perdeu o "radicalismo ideológico" resolveu evidentemente fazer das tripas coração: o sindicalismo que proíbe despedimentos, quando sejam necessários para a sobrevivência da empresa, não é antigo nem moderno - ou é comunista ou burro.
Não compro a teoria de que o que o Governo quer, por degradar ainda mais o valor da empresa, ou é fazer baixar o preço da privatização ou que não haja candidatos e portanto a TAP seja uma batata podre a deixar em herança ao futuro governo - esse grau de maquiavelismo não casa com a ideia que tenho das pessoas envolvidas.
Ensaio por minha conta uma explicação:
Há em Portugal um grande respeito pelo consenso, que tem aliás consagração constitucional na existência da muito querida (por quem dela beneficia) concertação social, e que se traduz na obrigação de consultar os sindicatos e associações patronais para legislar sobre questões laborais (mesmo que a incidência seja remota), no enaltecimento acéfalo das virtudes do diálogo a propósito de tudo e de nada, no uso extensivo da língua de pau para não ofender ninguém (os comunistas não são designados como anti-democratas, que são, os dirigentes sindicais não são qualificados de carreiristas e parasitas, que muitos são, a muitos socialistas e sociais-democratas que aparecem no espaço público a defender a manutenção de organismos e empresas na esfera pública ninguém pergunta: o amigo está a defender o tacho dos seus amigos, não está? - e um longo etc.), e, finalmente e em resumo, no hábito deplorável de quase ninguém dizer ao que vem, com receio de ferir susceptibilidades.
Parece que o eleitorado gosta disto. Gostou que o PPD tivesse votado a favor da Constituição de 1976, com reserva mental, não obstante esse facto lhe ter diminuído a autoridade para a rever, quando, tendo ganho eleições, teve que negociar com o PS os necessários cortes do cabelo socialista; gostou que Mário Soares tivesse metido o socialismo na gaveta, num largo consenso, em nome da salvação do país falido, contrariando tudo o que prometera para ganhar eleições; gostou tanto de Guterres e do seu diálogo militante que lhe deu uma vitória baseada na eliminação da crispação, como então se dizia; aprecia ser aldrabado por políticos que garantem ir fazer o que toda a gente sabe que não farão; e gosta hoje, ao que parece, de Costa, da bonomia de Costa, das suas frases redondas prometendo tudo a todos, e do seu largo sorriso, que com frequência exibe para coroar as declarações sonoras e ocas.
O nosso estado de necessidade trouxe, em 2011, a gente que está. E esta, nem tendo chegado a fazer o que lhe era exigível, distinguiu-se por uma notável antipatia, dado que o consenso lhe estava vedado, por ser, como é sempre, apenas uma maneira engenhosa de deixar tudo na mesma - justamente o que a troica proibia.
Mas o ano é de eleições, e a troica já bazou. E portanto há que ser dialogante, e demonstrar um espírito aberto, moderno e tolerante - nada de radicalismos ideológicos, as pessoas demonstram em Portugal grande ponderação quando preenchem dois requisitos: estão ao Centro e não fazem contas.
Seja. Que se o prejuízo que este acordo vai fatalmente originar servir como ajuda para que Costa e a sua troupe de ineptos em estado de negação da realidade se mantenham ao largo do Poder - é barato.
Faz muito bem, a legislação é uma trapalhada: ou a interpretação que o sindicato (e com ele não poucos juristas) faz do instituto da requisição civil a torna numa inutilidade, por só poder ser declarada quando os fins que o sindicato pretende com a greve estão já, no caso de uma companhia de aviação, produzidos (nenhum passageiro marca viagens sob a dúvida se vai ou não vai haver... viagens); ou o sindicato não tem razão, e então fica, de momento, esclarecido qual o entendimento que deve ser dado ao diploma de Novembro de 1974 que regula a matéria.
Mas o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil também escreveu aos pilotos, alertando para que os serviços mínimos prevalecem sobre a requisição civil. E aqui temos a burra nas couves: se o sindicato já sabe qual a interpretação jurídica adequada, e age em consequência, recorre ao Tribunal para quê?
Acresce que, mesmo que a tese do sindicato não convença, nem por isso o assunto fica resolvido de vez, que a jurisprudência dos tribunais não é entre nós, salvo casos contados, fonte de direito, e há sempre outro juiz que, noutra maré, face a uma situação igual, decida outra coisa.
E depois um diploma de 1974 que ainda está em vigor é um escândalo: os governos que temos tido caracterizam-se por viverem em permanente estado de diarreia legislativa, pelo que não deve haver quase nada do que foi legislado naquele ano que ainda sobreviva - o Dec.-Lei 637/74 tem este lado heróico e resistente, para não dizer nada das saudosas assinaturas, intensamente democráticas, que nele figuram.
Isto quer dizer que, no caso de a privatização da TAP, por falta de candidatos, capotar, e se não for deixada falir, a revisão da lei da requisição civil será uma nova guerra direita/esquerda, com o seu cortejo de greves, manifestações, discursos inflamados e desfilar de personalidades, incluindo o Sr. Arménio Carlos e outros democratas da mesma extracção.
Um cenário de horror, portanto. Razão por que me permito lembrar que é mais do que provável que a maioria dos pilotos não esteja a favor da greve - pensem o que pensarem sobre a conveniência de a companhia ser pública ou privada, não querem decerto decepar a mão que lhes dá de comer. Portanto, a forma expedita de castigar a rebelião - é de rebelião que se trata - consiste, na prática, em descobrir quem são os cabecilhas e, discretamente e com tempo, aplicar a decimatio adaptada à modernidade: uma guia de marcha para a reforma ou a concorrência.
E são os votos que, neste particular, imbuído do espírito de concórdia que a quadra que atravessamos a todos deve infundir, formulo para 2015.
Sobre Silva Peneda, a concertação, e o organismo daninho, corporativo e indiscutido a que preside disse em tempos o que cumpria.
O homem é profissional do diálogo, como são feliz e necessariamente todos os diplomatas, mas também os empatas, os indecisos e os videirinhos da vida pública.
Sobre a requisição civil diz (aliás não diz, "alerta" - não é este, ai de nós, o único Silva que, em vez de dizer ao que vem, faz alertas que inculcam ao cidadão a ideia de que está ungido de alguma superioridade intelectual ou moral para os fazer, sem todavia se dar ao excessivo trabalho de indicar soluções alternativas) que ela é provavelmente ilegal, considerando "lamentável que se chegue à fase que chegaram o Executivo e os sindicatos que representam os trabalhadores da TAP, porque demonstra que o diálogo não funcionou".
Não funcionou e ainda bem. Porque, se tivesse funcionado, o feliz desenlace haveria de ser, como é sempre, cedências aos sindicatos, o que no caso equivale a dizer que a privatização seria feita com garantias de que nenhum trabalhador sairia no futuro prejudicado.
Porque é disso que se trata: para enterrar na TAP os milhões de que ela necessita e assumir o seu passivo gigantesco qualquer investidor (se houver) aligeirará os custos, tentando pô-la ao nível da concorrência, no mínimo.
Não se tem falado disso: quanto ganha um piloto ou o pessoal de bordo e de terra, e que regalias têm, por comparação com outras companhias; quantas pessoas são mobilizadas para pôr um avião no ar, que taxa de utilização têm os aviões, que rotas são ou não rendíveis, e mais um zilião de indicadores que fazem com que umas companhias sejam viáveis e outras não.
Do que se fala é de interesse nacional. "A privatização é inacreditável, é um crime", dizem anónimos, na rua, a António-Pedro Vasconcelos, conhecido comentador de futebol que lançou um manifesto, não contra a derrota do Benfica em Braga, como se compreenderia, mas a favor da manutenção da TAP na esfera pública, não vá o novo proprietário prejudicar o hub de Lisboa, seja lá essa merda o que for.
A notícia acaba com alguns nomes de subscritores e, com a excepção de Tony Carreira, um cantor romântico autor de êxitos inolvidáveis como "Por Amor Vou Deixar-te Viver" ou "E Agora Tu Vais Deixar Minha Vida", que não se sabia que tinha ideias sobre fosse o que fosse, é o lote habitual, velho, bafiento e cediço de gente que é contra privatização da TAP porque é contra a privatização do que quer que seja.
A privatização pode correr mal? Pode. E muitos passageiros de Lisboa podem ser prejudicados, por acabarem voos directos de e para lá? É possível. E muitos emigrantes podem deixar de ter voos directos para Portugal? Talvez.
Mas a imensa maioria que não anda de avião, ou não vive em Lisboa, ou ganha lá fora o que não pode ganhar cá dentro, não será chamada no futuro, como foi no passado, a cobrir prejuízos.
E isso para mim chega.
Num comunicado conjunto, a plataforma que reúne os 12 sindicatos da TAP refere que a greve tem como objectivo "sensibilizar" o Governo para a necessidade de travar o processo de privatização. Não sabemos se o Governo, esfregando as canelas doridas, se mostrará sensibilizado. A maioria dos milhares de passageiros que a greve vai atingir, porém, decerto demonstrariam a sua sensibilidade, se pudessem, pelo expediente de submeter os sindicalistas preocupados com o país às maiores sevícias, com o propósito de lhes ensinar que causar um considerável prejuízo (36 milhões, diz-se por aí) a uma empresa pública com um passivo gigantesco, atrapalhar a vida de emigrantes numa quadra de férias, prejudicar o turismo e os milhares de pequenos e não tão pequenos negócios que dele dependem, e embaratecer o preço da privatização, poderá ser muitas coisas mas "salvaguardar o interesse nacional" não é com certeza.
Claro que ninguém, nem os próprios, acredita nesta retórica. Do que se trata é de precaver a mais que provável hipótese de os novos patrões despedirem pessoal e diminuírem as regalias dos que ficarem, em nome da sobrevivência da empresa e dos negregados lucros. Mas, se é isso, porque não o dizem?
Um paisano obscuro, como eu, pasma. Desde quando os sindicatos têm que ter uma ideia do que seja o interesse nacional, de mais a mais permitindo-se em nome dela fazer greves? Os cidadãos têm o direito a ter essa ideia (embora normalmente raciocinem com o estômago e vísceras adjacentes) e têm-na; uma ideia diferente do que é o interesse nacional é justamente o que explica que haja partidos; e jornalistas, comentadores, opinantes sortidos, todos obedecem a uma ideia geral do bem comum, que nem é o mesmo para toda a gente nem, quando o seja, as opiniões deixam de divergir na forma de o realizar.
Mas os cidadãos, enquanto tal, não fazem greve, nem os jornalistas, quando a fazem, reivindicam que o Estado lhes nacionalize os jornais, para o efeito de lhes garantir os postos de trabalho; e quanto a comentadores a ideia de uma greve seria porventura bem acolhida pela população at large mas nem por isso jamais se verificou.
Razão, por uma vez, tem por isso o cómico que se prepara para vir animar as sessões mais tediosas da Assembleia da República: Alberto João "defende que seja decretada requisição civil porque a greve não é um direito absoluto".
O avião partiu às 23H30 e chegou ao aeroporto de partida às 07H10, ou seja, voou durante 7 horas e 40 minutos. Os aldrabões do gabinete de relações públicas da TAP informaram que a meia-volta se fez “apenas por uma questão de segurança” e que a aeronave aterrou em Lisboa “com toda a tranquilidade”, sem que todavia ninguém lhes tivessem perguntado se a bordo vinha Paulo Bento.
O Presidente da Companhia, porém, num desabafo de louvável candidez, declarou ao Expresso que "o avião poderia ter prosseguido até Luanda mas que não o fez porque a reparação do problema técnico detectado 'seria mais rápida' em Lisboa".
Mais adiante no artigo Fernando Pinto esclarece que "a decisão de regresso foi tomada no designado 'ponto de retorno' do voo e resultou de uma decisão ponderada entre os tripulantes e a equipa de manutenção de Lisboa, porque se o avião tivesse aterrado em Luanda teria de aguardar pelo menos três dias até concluir a reparação".
Desculpa, estimado Nandinho, mas a decisão que resultou de uma decisão foi tudo menos ponderada: entre causar inomináveis transtornos a 260 passageiros e o custo da imobilização de um avião por três dias, a companhia optou pela poupança. Só que não há qualquer poupança quando uma empresa de aviação trata assim os seus clientes, que são - e não os aviões - o seu principal activo. Claro que ignoro se outros passageiros e outros voos não poderiam ser prejudicados com a imobilização do avião. Mas uma coisa é receber um aviso, tempestivo e bem explicadinho, do adiamento de um voo futuro; e outra andar a passear pessoas, durante horas e sem propósito nem explicações sérias, por cima do Atlântico.
Eu sou velho, céptico e desconfiado. E como a privatização da TAP já pelo menos uma vez levantou voo e, tal como sucedeu nesta viagem, regressou ao ponto de partida, pergunto, Nandinho: Não andará por aí um vigarista a plantar notícias nos jornais, hoje uns parafusos desapertados, amanhã um rolamento, a ver se o preço da privatização fica mais barato. Ou, pior, não estará a manutenção a ser descurada de propósito?
Tu abre-me esses olhos, rapaz.
A menos, claro, que já os tenhas bem abertos.
No início de Fevereiro, contei como fui impedido de fumar uma caneta. A história teve seguimento. No dia 18 de Março, recebi da TAP, por email, a seguinte informação:
"Exmo. Senhor José Graça,
Fazemos referência ao comentário de bordo que preencheu por ocasião da sua viagem entre Lisboa e Praga no voo TP532 do dia 14 de Abril, a cujo conteúdo dedicámos a nossa melhor atenção.
Agradecemos o facto de nos ter comunicado as suas observações e apresentamos o nosso pedido de desculpas pelos possíveis transtornos que tal situação lhe possa ter causado, pois a opinião dos nossos Clientes é fundamental para a aferição da qualidade de serviço que pretendemos disponibilizar, a todos os níveis.
Apesar de os cigarros electrónicos não serem proibidos por lei, o seu uso a bordo pode causar problemas e o seu consumo não é permitido a bordo dos aviões da TAP. No entanto, podem ser transportados na bagagem de mão. Para mais informações poderá consultar o site da TAP, www.flytap.pt, através do link: http://www.flytap.com/Portugal/pt/planear-reservar/preparar-viagem/bagagem/bagagem-proibida.
Mais informamos que na TAP Portugal é proibida a utilização do cigarro electrónico por razões de segurança. É um dispositivo que poderá induzir em erro outros passageiros e levar à utilização indevida do consumo de tabaco. Como alternativa, existem pastilhas de nicotina que poderão ser solicitadas à tripulação.
Uma vez que um dos nossos mais importantes objectivos consiste em satisfazer, ou mesmo antecipar, as expectativas dos nossos Passageiros, solicitamos-lhe que não hesite em contactar-nos noutras situações.
Esperando que um próximo voo com a TAP Portugal venha a ser totalmente satisfatório, aproveitamos esta ocasião para lhe apresentar os nossos melhores cumprimentos.
Tânia Chuvas*"
Primeiro respondi:
"Exma. Senhora Tânia Chuvas*,
Acuso a recepção do e-mail de V. Exª de 18 de Março corrente.
Diz V. Exª que "Apesar de os cigarros electrónicos não serem proibidos por lei, o seu uso a bordo pode causar problemas e o seu consumo não é permitido a bordo dos aviões da TAP". Esta afirmação é extraordinária: mudei para os "cigarros electrónicos" a sugestão de um passageiro frequente de várias companhias aéreas que, por causa da proibição do fumo nos aviões e a conselho do pessoal de bordo da KLM, recorreu a esse expediente. Passageiro, aliás, que viajou recentemente na TAP, de Copenhague para Lisboa, "fumando" alegremente sem ser incomodado.
A asneira, infelizmente, também não é proibida por lei, pelo que ocorre lamentar que a TAP não corrija o descuido do legislador, proibindo-se a si mesma de abundar nos dislates. Como abaixo se verá:
Diz V. Exª que "na TAP Portugal é proibida a utilização do cigarro electrónico por razões de segurança. É um dispositivo que poderá induzir em erro outros passageiros e levar à utilização indevida do consumo de tabaco. Como alternativa, existem pastilhas de nicotina que poderão ser solicitadas à tripulação". O cigarro em questão liberta apenas vapor de água, que se dissipa imediatamente em razão da extrema secura do ar ambiente; não se parece com um cigarro, antes com uma esferográfica, pelo que o único comportamento que pode induzir nos outros passageiros é um desejo irreprimível de escrever artigos de jornal, novelas, ou listagens de proibições da TAP, estas nos voos mais longos.
Sobram duas perguntas: De onde vem a legitimidade da TAP para proibir comportamentos que não ofendem nem a lei nem o senso? E donde provém a autoridade para declarar com naturalidade que os clientes (melhor: contribuintes) da TAP são uma colecção de crianças inimputáveis que, se a TAP não velar por elas, imediatamente desatam a macaquear o vizinho do lado?
Finalmente, V. Exª assina com nome, mas invoca normas da TAP que alguém aprovou. Seria possível informar-me dos respectivos nomes? Não é para satisfazer uma curiosidade indevida; é para lhes manifestar a minha opinião, preto no branco, sobre as respectivas capacidades cognitivas e comerciais.
José Meireles Graça"
A seguir fui jantar.
__________
* Rebaptizada por mim
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