Terça-feira, 13 de Fevereiro de 2018

Um retrato desfocado

No último domingo a revista do Expresso trazia um extenso ensaio de Henrique Raposo, informando que “o autor está a preparar uma biografia política e intelectual de Vasco Pulido Valente”. O ensaio era, portanto, uma antevisão das linhas gerais de interpretação da vida e obra a que a biografia vai obedecer.

 

Estranhei. Porque VPV ainda não acabou, que se saiba, a carreira e a vida, e, não sendo deslocada a tentativa de o biografar, ficaria certamente enriquecida se tivéssemos tido direito a uma interpretação autêntica, isto é, se o objecto do trabalho tivesse sido inquirido sobre o que de si pensa, mormente naqueles passos que lhe definem o carácter, no seu envolvimento directo na acção política nas décadas a seguir ao 25 de Abril, no que acrescentou à historiografia nacional, e na importância que atribui à influência que terá exercido nos actores principais da nossa vida política e em pelo menos duas gerações de leitores de jornais.

 

Não há qualquer referência a uma tentativa de entrevista, que portanto presumo não tenha existido. Ter o objecto de estudo vivo e não o aproveitar é a meu ver um desperdício. E do que conheço de VPV acho pouco provável que se dê ao trabalho de vir a terreiro inteirar a mole dos seus admiradores do seu ponto de vista, dizendo e provando com a sua verve corrosiva e inimitável que Henrique Raposo tresleu, exagerou, omitiu, e sobretudo não percebeu.

 

Num certo sentido, ainda bem que não haverá qualquer reacção; que, se VPV voltar a escrever, os seus leitores querem uns, e temem outros, sobretudo ouvi-lo sobre a originalidade da geringonça (crisma dele, aliás, que Paulo Portas divulgou), o que vê de paralelo com outras alianças espúrias do nosso passado, o que há de ilusório no actual clima de optimismo acéfalo, e o retrato ácido da gente que nos pastoreia.

 

Vamos ao texto:

 

Henrique Raposo começa por fazer um retrato impressionista do Portugal salazarista em que o biografado nasceu. Pessoalmente, poria algum vinho no vinagre da descrição, que me parece demasiado tributário de uma experiência de vida alentejana que suponho enferma de algum ressentimento, mas estou certo não confere necessariamente com a contemporânea de outras regiões. Este pano de fundo, seja ou não rigoroso, serve para concluir que “criado nesta gaiola dourada, Vasco nunca se demarcaria da patine snobe e cínica em relação a Portugal. Não era por acaso que “os indígenas” era a sua expressão de eleição para descrever os portugueses”.

 

Snobismo é uma atitude de superioridade afectada, e nunca VPV se comportou, ou escreveu, com a pretensão de ser um português típico fosse em que sentido fosse, como nunca se distinguiu por poupar nas suas objurgatórias alguma classe social ou personalidade em particular. Preenche portanto a primeira condição da definição que escolhi; mas não a segunda. Porque a superioridade, por ser natural (e advinda não, como crê Raposo, da origem social mas de uma vasta cultura adquirida com esforço) para não ser evidente precisava de ser hipócrita. Quanto ao epíteto de “indígenas”, cujo uso recorrente tenho visto ser-lhe assacado como prova de uma irrefragável arrogância, se não desprezo, ofereço a minha interpretação: há uma tradição portuguesa de patrioteirismo, que se traduz na permanente manifestação de crenças sobre a nossa quase sempre imaginária superioridade, que quem quer que detenha algum púlpito da opinião ou da influência pública impinge ao ouvinte. Convém zurzir o lombo dos portugueses lembrando as nossas insuficiências, para as corrigir; e de pouco adianta passar a mão pelo pêlo do nosso optimismo infundado, porque disso há, e sempre houve, muito. Chamar aos portugueses indígenas é isto: não estou aqui para vos lisonjear os preconceitos nem para vos afagar o amor-próprio.

 

Prossegue Raposo: “Vasco nunca se confrontou a fundo com o trauma clássico desta geração: a descoberta indignada da pobreza e o voraz sentimento de culpa que se segue, raiz da mente revolucionária”.

 

Ignoro se este confronto teve ou não lugar, o próprio é que saberia dizer. Mas há que dar graças por não se ter transformado em mais um comunista, como sucedeu à maioria dos intelectuais da sua geração. Porque em 1975 não estivemos demasiado longe de inscrever no rol das nossas desgraças colectivas a já então obsoleta evolução para uma sociedade comunista, e de um intelectual de peso a remar para essas águas é que não precisávamos. A interpretação segundo a qual esta recusa em aderir aos ares do tempo se filiava numa origem de classe colide com o facto, que o ensaio relata, de “os pais serem comunistas”, donde resulta que a explicação porventura mais justa é a de aceitar que VPV já então tinha considerável indiferença às modas de pensamento dos seus pares, e a particular lucidez que à maior parte deles escasseava.

 

“Em segundo lugar, o desejo de fugir à guerra do ultramar. António Barreto e Medeiros Ferreira, por exemplo, exilaram-se para escapar à guerra. A solução de Vasco foi diferente: a cunha, um favor em forma de atestado médico que surgiu de forma natural e sem qualquer pedido expresso por parte da família.

A lógica snobe da sociedade funcionou”.

 

Não sei nada sobre as origens sociais de Medeiros Ferreira ou António Barreto, não conheci um nem conheço o outro, e portanto não estou em condições de afirmar que, se tivessem tido a mesma oportunidade, escolheriam ainda assim o exílio. Igualmente desconheço como funcionavam as coisas na upper class lisboeta. Sei porém que, na minha região, a influência social contava para quase nada; corrupção e moeda sonante é que eram o livre passe, para quem pudesse. Sem querer fazer a injúria a Henrique Raposo de pôr a história, cuja fonte imagino venha a aparecer na biografia, em dúvida, confesso-me surpreendido.

 

Prosseguindo: “Nestes anos 60 e 70, V.P.V. foi assim o nosso Orwell ou Camus, ou seja, foi aquele intelectual que tentou quase sozinho restabelecer a ligação entre a esquerda e a liberdade, entre a esquerda e um módico de tolerância e de honestidade. Não é possível sublinhar em demasia esta coragem de V.P.V., porque também não é possível sublinhar em demasia a esmagadora hegemonia que a vulgata marxista tinha sobre as cabeças desta geração”.

 

Este parágrafo inicia uma digressão, digamos assim, substantiva pelo papel de VPV na nossa história contemporânea. E se fosse este o fecho do ensaio bem poderíamos dizer para os nossos botões: ah, o grande homem tem defeitos, que novidade.

 

Porém, a digressão é bruscamente interrompida assim: “Contudo, a luta contra o neorrealismo também lhe deixou um vício intelectual que está ligado ao meio social daquela Lisboa minúscula e oitocentista: o snobismo”. E: “Ao falar de Sttau Monteiro, V.P.V. falou de si mesmo. Até se pode dizer que este é o seu epitáfio, o resumo da sua persona. Está ali tudo. Está ali a recusa dos mitos da esquerda marxista — facto que acabou por defini-lo enquanto rebelde da esquerda durante décadas e décadas. Está ali a figura de um homem antissalazarista com raízes na esquerda, sem dúvida, mas que tinha uma pose snobe, nunca escondendo uma certa repulsa pelo povo e pelo igualitarismo democrático; uma espécie de Gore Vidal das Avenidas Novas…”

 

Mesmo que esta análise tivesse qualquer sombra de consistência, seria incongruente com a descrição que o próprio Raposo faz da importância intelectual de VPV porque considera como epitáfio características de feitio e comportamento que são naturalmente adjectivas. Mesmo aqui, porém, e dando de barato a repulsa, há uma confusão de planos: não há qualquer contradição entre a defesa do regime democrático enquanto sistema que reconhece o consentimento dos governados, expresso periodicamente num processo aberto de liberdades garantidas, como sendo a principal fonte do exercício do poder, e a constatação de que a maioria não tem gosto, nem discernimento, nem formação, que imponham que se lhes siga os ditames. Se não fosse assim, aliás, ver-nos-íamos obrigados a preferir o último sucesso no hit-parade dos drogados da moda ao Requiem de Mozart; a pendurar religiosamente na parede uma litografia do menino da lágrima; e a conciliar o sono lendo a última obra-prima de um qualquer contemporâneo albardado de prémios em vez dos clássicos.

 

Abstenho-me de comentar com detalhe o resto do ensaio porque duvido que alguém tenha a paciência de me seguir até ao fim. Mas por toda a parte se nota a mesma mistura de observações pertinentes (“V.P.V. ficou sempre ao lado daquela desconfiança liberal que parte do pressuposto de que o Leviatã não é pessoa de bem até prova em contrário”) com picardias escusadas (“Glória” é um pastiche queirosiano”, como se Eça alguma vez se tivesse dedicado ao género biográfico-histórico).

 

Todavia, o modo como o cavaquismo e o Independente são retratados merece ainda atenção porque aí se retomam as teses do snobismo e se descreve a tónica anti-cavaquista do jornal e as diatribes de VPV como “inaceitável desprezo pelo “homem de Boliqueime”.

 

Isto é extraordinário: a Henrique Raposo não ocorre que Cavaco Silva representasse, como de facto representou, uma oportunidade perdida para a modernização do país, que via como uma massa informe a moldar a golpes de fundos europeus e voluntarismos dos seus colegas economistas (nem todos – todas as semanas tanto os esquecidos Leonardo Ferraz de Carvalho como Alfredo de Sousa se entretinham a desmontar o edifício das ilusões cavaquistas), sem nenhuma consideração pela história do país e pela realidade. E que o ridículo a que todas as semanas eram expostas as personagens gradas daquela época, a começar por Cavaco, não decorria das suas meias brancas nem do estilo canhestro: este era o pretexto para salientar o abismo saloio entre a promessa (desta é que vai ser, Portugal está no pelotão da frente, como salientava  Cavaco no seu português de workshop foleiro que imaginava inspirado) e a realidade lúcida do enterro do PREC, alguma modernização da sociedade, e um módico de sanidade das contas – e já era muito.

 

Passo em claro a alegação de que os queirosianos, qualificação que o próprio VPV, suponho, não enjeita, se condenam e nos condenam à inevitabilidade do nosso atraso; e não digo nada, porque teria que dizer muito, sobre a alegação de que não podemos aprender com Eça nada que preste sobre o séc. XIX português, e sobre o carácter actual de alguns tipos que criou.

 

Nas palavras de Raposo: “Claro que isto impedia a criação de um discurso marcado pela esperança e pela redenção colectiva através do sucesso e da melhoria das condições de vida. Era e continua a ser uma narrativa que deixa o país num vórtice perpétuo, é como se Portugal fosse o James Belushi de “Groundhog Day”, um país preso no mesmo dia medíocre que se repete todos os dias, um Purgatório sem saída, um Purgatório onde a escadaria até ao Paraíso é uma impossibilidade”.

 

Por outras palavras:

 

Não digamos nunca, como VPV sempre disse quando ouvia cantar as sereias do optimismo acéfalo, “sei que não vou por aí”. Não sejamos negativos, nem hipercríticos, e de cada vez que nos acenarem com o milagre da convergência tenhamos fé.

 

Agora mais que nunca, que a maior dívida da nossa história, as grandes empresas que desapareceram, os bancos que já não são portugueses, a administração pública pletórica, a dependência abjecta de uma EU periclitante, e um eleitorado que não cessa de pedir mais ao Estado, isto é, a sociedade que temos ao cabo das últimas décadas, são o cimento que haverá de garantir o nosso renascimento, se não tivermos a desdita de ter outro VPV com a banca montada de derrotista.

publicado por José Meireles Graça às 02:56
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Segunda-feira, 17 de Outubro de 2016

O país que está

Somos legião os que nos habituámos há décadas a contar com Vasco Pulido Valente para, por trás das personagens da política, da literatura, das artes e do entretenimento, perceber o significado oculto dos incidentes que fazem a história dos nossos dias, e entender quem são realmente eles, o que querem, o que deveriam querer, qual o significado do que dizem e fazem, e de que forma se encaixam numa tradição histórica que lhes ilumina as acções.

 

Mais nenhum comentador faz isto. E mais nenhum ainda o consegue com uma escrita elegante, com frequência ácida, onde a mestria do português se combina com a capacidade rara de dizer muito com pouco - precisamente o oposto do que fazem quase todos os que entendem confiar aos meios de comunicação social o que lhes vai na alma, para edificação dos leitores.

 

E são legião também, e sempre foram, os que não lhe perdoam não fazer parte da escola do respeitinho, do Portugal torrãozinho de açúcar, patriotaça, patrioteiro e patriotarreca; além da corte dos que se movem na esfera do Poder, da influência, da dependência dos poderes de facto, adeptos quase todos da confraria do elogio mútuo.

 

Vasco Pulido Valente não é desses; e imagino que por isso pague um pesado preço: Portugal resume-se, para estes efeitos, a Lisboa, que é uma paróquia em que toda a gente conhece toda a gente. Ser independente neste meio, e usar da liberdade de escavacar toda a vaidade irritada e irritante, todo o bonzo cultural, todo o medíocre alçado a pensador, todo o carreirista transmutado em estadista, e todo o medíocre hábil, tem de ter um preço. E este, na sua declinação menor, é volta e meia ver zurrar na praça pública alguma excelência que se imagina ofendida.

 

Pois VPV, que estava desaparecido, para alívio dos poderes do dia, que calha serem os dos socialistas do nosso descontentamento agora, e da nossa desgraça a prazo, reemergiu no Observador. E - ó imprudência - em meia dúzia de linhas reduziu o santo civil Guterres à sua dimensão de pequeno político beato e pusilânime.

 

As reacções não se fizeram esperar, inconscientes embora os seus autores da homenagem involuntária que faziam a quem com poucas linhas demolia o ídolo que o PS oferecia à adoração das massas, e propiciava os panegíricos delirantes com que a classe política inteira, incluindo o presidente da República, se uniu na comunhão do asneirol louvaminheiro.

 

Um desses que tomou as dores do patriotismo ofendido foi o embaixador Seixas da Costa, num texto espumando inveja e ressentimento, que resume a vulgata do que se aponta a VPV: este não é capaz de vislumbrar a grandeza de alguns dos seus concidadãos, por se inserir numa tradição de escárnio e maldizer que tem sucesso junto dos invejosos. Ao embaixador (embaixadorzinho de merda lhe chamou um cidadão brasileiro, com aquele jeito que têm os brasileiros para encontrar fórmulas definitivas e pertinentes para classificar pessoas) não ocorreu que se Portugal estivesse tão bem servido de personalidades que merecem o respeito e a gratidão da grei não seria o país meio-falhado que é hoje; e que de graxistas, tachistas e carreiristas há enorme abundância - gente com coluna vertebral é que não.

 

No mesmo texto também sobrou alguma lama para outras duas pessoas, uma que já se deu ao trabalho de lhe responder e outra que ignoro (mas gostaria) se o fará. De Vasco Pulido Valente é que não podemos esperar nada, que este tem por hábito antigo ignorar a canzoada que lhe ladra aos calcanhares. Teria muito que fazer, e se enveredasse por esse caminho iria tropeçar em gente que deve ter, mas não confessa, razões pessoais para, em calhando e no meio de multidões, juntar o seu latido aos demais. É o caso de José Ribeiro e Castro, que se aliviou de uma prosa inqualificável em comentário ao post feicebuquiano do embaixador, que não rebato por não se rebater esterco.

 

Para a semana, esperamos, haverá mais. E haverá também, é de crer, gente de representação que com virtude virá ao proscénio defender o Portugal que está. Quem nasceu na merda, vive na merda, e singrou na merda, não lhe apercebe o cheiro. Felizmente ainda há quem tenha olfacto.

publicado por José Meireles Graça às 21:21
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Terça-feira, 29 de Outubro de 2013

Clássicos do Gremlin: "Uma casa portuguesa"

 

 

«Um indivíduo está aborrecido com o emprego que tem, ou precisa de emprego ou ambiciona, por razões óbvias, ganhar mais. As coisas correm-lhe cada vez pior e as empresas privadas não o querem. Esclarecidamente, o indivíduo pensa no Estado, a que supõe o dever de lhe dar uma ocupação e proventos compatíveis. Não encontra nada ou o que encontra não o satisfaz.

 

Deste fracasso o indivíduo retira a conclusão de que o Estado não cumpre cabalmente as suas funções. Os seus enormes talentos merecem com certeza ser usados e seriam com certeza usados por um Estado que se prezasse. O indivíduo concebe então o plano simples de conseguir que o Estado reconheça a sua utilidade. Procura dentro de si sinais de distinção. Depressa se descobre uma especialidade, um amor, uma causa. Digamos, por exemplo, a casa portuguesa.

 

A casa portuguesa típica, que lhe despertou sempre surtos de paixão, desaparece lentamente da paisagem. As câmaras não a protegam; a Fundação Gulbenkian ignora-a; o público despreza-a. A preservação da casa portuguesa constitui um interesse social, digno da atenção do Estado. Aliás, todos os interesses sociais são dignos da atenção do Estado. O indivíduo decide, portanto, persuadir o Estado a encarregá-lo de preservar a casa portuguesa, tão ameaçada pela incúria, por autarcas néscios e pelos emigrantes.

 

Convoca três amigos: dois arquitectos e um autoproclamado sociólogo, como ele convencidos da sua importância e carentes de uns dinheiros. Os quatro põem-se em campo. Trata-se de obter acesso a um ministro ou a um secretário de Estado, através de relações pessoais ou de influências partidárias. O ideal é escolhê-lo num departamento com objectivos tão etéreos e brumosos como a própria preservação da casa portuguesa: a Cultura, a Qualidade de Vida, a Família, o Ordenamento Territorial, a Paz nas Consciências. Em rigor, qualquer serve, mas estes apreciam em particular os projectos fantásticos.

 

Imaginemos que o indivíduo e os três amigos se apoderam do ministro da Cultura. Tal ministro, principalmente se, como com frequência sucede, é analfabeto ou quase, jamais se atreverá a manifestar indiferença seja pelo que for que se lhe apresente como Cultura (com C grande). No "Botequim", Natália Correia vela. A esperteza reside em que tudo lhe pode ser apresentado como Cultura, até Natália Correia e a preservação da casa portuguesa. Intimidado, aflito, prevendo críticas devastadoras à sua relutância em preservar a casa portuguesa, o ministro rende-se. Discretamente, e supondo assim desembaraçar-se do sarilho, nomeia por despacho uma Comissão para a Preservação da Casa Portuguesa, com o indivíduo e os três amigos, que passam a receber a remuneração mensal de cento e cinquenta contos, para o chefe, e cem cada, para os comparsas.

 

Ganhou-se a primeira batalha. O indivíduo adquiriu uma posição oficial. O próximo passo consiste em montar um cerco ao gabinete do ministro para lhe subtrair "espaço", isto é instalações. Como preservar a casa portuguesa nos corredores ou nos cafés? Sem telefones? Sem um sítio para guardar os papéis e atender pessoas? Os argumentos parecem racionais, a reivindicação justa. Comprometido no princípio, o ministro volta a render-se. A Comissão para a Preservação da Casa Portuguesa instala-se em duas assoalhadas, num canto obscuro do ministério.

 

Daí reclama telefones, um contínuo (para recados), uma escriturária-dactilógrafa e um técnico de terceira, destacados de outros serviços ou contratados de fresco entre familiares indigentes. Como recusar pedidos tão lógicos e triviais? Existe a Comissão, existem duas assoalhadas: o resto segue-se. O trabalho vai, enfim, começar a sério.

 

A Comissão produz, após esforços esplêndidos, um documento de dezassete páginas, com título de: "A Preservação da Casa Portuguesa: Vectores de uma Problemática, a Nível Urbano e Rural". Forte de semelhante obra, entra na matéria. Pouco a pouco, estende os seus tentáculos. Ocorre-lhe desde logo que os seus objectivos são intradepartamentais. A casa portuguesa também é da responsabilidade dos ministérios das Obras Públicas e Habitação, da Qualidade de Vida e dos Assuntos Sociais. A Comissão exige, por consequência, que se forme uma subcomissão com "representantes qualificados dessas áreas", e que se lhe atribuam os respectivos subsídios. Requisita, evidentemente, um carro para as tarefas de coordenação (e para ir a Sintra aos domingos). Mas não se esquece nem das autarquias nem dos emigrantes. Cheios de zelo, os seus membros partem para a província, enquanto o chefe, com mais majestade, "se desloca" às colónias portuguesas no estrangeiro, com o objectivo de esclarecer os emigrantes sobre as vantagens de "manter o perfil" das nossas queridas aldeias.

 

Entretanto, o chefe já informou o ministro da impossibilidade física de prosseguir estas enérgicas actividades em duas meras assoalhadas. Em luta dura com várias direcções gerais, institutos e gabinetes, a Comissão acaba por conquistar mais cinco e aumenta o seu pessoal de sete para vinte e sete. Chegou a altura de se ocupar da decisiva questão dos "contactos internacionais". A inutilidade notória do exercício assegura que a Comissão brilhará. No Conselho da Europa, na UNESCO, em viagens diplomáticas à Assíria e ao Daomé, o chefe e os sócios discutirão moções, aprovarão recomendações, estudarão acordos de intercâmbio, comerão jantares e tirarão retratos. O mundo ficará sabendo que Portugal, país civilizado, se preocupa com a preservação da casa portuguesa. O orçamento da Comissão subiu de três mil contos por ano para cinquenta mil, o que a torna uma coisa digna de respeito e, pelo menos, de uma condecoração da Embaixada Francesa.

 

A Comissão, porém, é precária. Não tem lei orgância e não tem quadro. Acima de tudo não tem quadro. Os seus membros e empregados vivem no risco de despedimento, o que compreensivelmente os perturba, impedindo-os de trabalhar como gostariam. Para eles, os seus inestimáveis serviços justificam, mais, clamam, que lhes seja concedida segurança e aposentadoria. O ministro da Cultura entende esta angústia, porque aprecia que os seus subordinados o estimem. O ministro das Finanças, que não entra no ministério da Cultura, não se comove tanto. Mas é-lhe explicado o alcance da preservação da casa portuguesa, a sua indispensabilidade, o prestígio que a Comissão adquiriu em Bogotá e em Munique, e ele contrariadamente cede.

 

A Comissão transforma-se, deste modo, em Instituto para a Preservação da Casa Portuguesa, com um quadro de oitenta lugares, sendo cinquenta instantaneamente preenchidos. Muda de instalações, recruta telefonistas, motoristas, contínuos, técnicos, conselheiros, assessores. Gasta agora duzentos mil contos. O chefe inscreve-se no PSD e fala-se discretamente dele para secretário de Estado, em parte por causa de um livro de excessivo mérito chamado "A Preservação da Casa Portuguesa: Vectores de uma Problemática, a Nível Urbano e Rural".

 

A moral da história é a seguinte: se amanhã desaparecessem duzentos mil funcionários públicos, ninguém, excepto os próprios, daria por nada. Ou daria - daria porque pagava metade dos impostos.»

 

Vasco Pulido Valente

(Diário de Notícias, 5 de Fevereiro de 1984)

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 19:17
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Quinta-feira, 13 de Setembro de 2012

Clássicos do Gremlin: "A crise"

 

 

Desta vez, limito-me a chamar a atenção para a data em que este texto foi publicado pela primeira vez.

 

DRAMA CAVAQUIANO

 

«A semana passada, os perversos sábios que se especializaram na nossa economia fizeram um seminário com banqueiros em Vilamoura. Nunca fui convidado para nenhuma destas negras actividades e tenho imensa pena. Os economistas não são como nós. Pertencem àquela espécie de seres que outrora nas florestas se ocupavam a conversar com espíritos e sabiam fórmulas mágicas para vender dragões. Ainda hoje há astrólogos e praticantes de medicinas paralelas. Mas com pouca influência. Só os economistas sobrevivem à civilização e conseguiram conservar os seu antigo prestígio. O grande Merlin (*Cavaco) ficou em Lisboa, a negociar a revisão constitucional. Em Vilamoura, só esteve o aprendiz Cadilhe, a fada Morgana, Teresa Ter-Minassian, e duas dúzias de feiticeiros teóricos. Mesmo assim valeu a pena.

 

Depois de vastas e profundas discussões e da celebração minuciosa dos ritos esotéricos da ciência, os sábios de Vilamoura resolveram mandar, pelo aprendiz Cadilhe, um recado urgente a Merlin: a raiz da mandrágora, a pele do sapo e os sinais de fumo indicavam, sem sombra de dúvida, que Merlin devia reduzir o défice do Estado. Da sua caverna de Linda-a-Velha, o venerando Alfredo de Sousa, ex-mestre de Merlin, aprovou esta grave advertência com todo o peso do seu afamado bom senso.

 

Não há certamente na história portuguesa dos últimos duzentos anos conselho que mais gente mais vezes tenha dado em vão a mais governos. Tirando Afonso Costa em 1913, do fim do século XVIII a 1928, nem um único governo foi capaz de reduzir significativamente o défice do Estado. O dr. Salazar, que foi capaz, era um ditador muito bem equipado, com um exército fascizante, uma bela polícia secreta e lindíssimos campos de concentração. Os sábios de Vilamoura, no etéreo assento onde subiram, desconhecem estas coisas vergonhosas ou não vêem por pura delicadeza qualquer relação entre o défice do Estado e a deliciosa capacidade de meter na cadeia os portugueses teimosos ou malvados, que se recusam a cumprir as profecias económicas dos peritos.

 

Quando lhes perguntam como pode o grande Merlin reduzir o défice, os sábios de Vilamoura deixam cair uma pérola da sua enorme sabedoria e respondem que, se diminuirem as despesas, eles garantem, porque um mocho lhes disse, que o défice também diminui. Quando lhes perguntam que despesas é preciso diminuir, eles respondem, falando sempre pelo mocho, que é preciso combater a burocracia. E que burocracia? A burocracia inútil. Perfeito. O feiticeiro de Linda-a-Velha chegou até a sugerir que se acabasse com o Conselho Nacional do Plano, acto heróico que pouparia pelo menos uns milhares (sic) de contos.

 

A ideia grotesca de que a maneira de reduzir o défice é reduzir o número de "empregos inúteis" fazia tradicionalmente parte do programa da Esquerda, ou seja, do radicalismo democrático. Durante séculos, a Esquerda berrou, ganiu, regougou contra os "empregados inúteis", para descobrir logo que chegava ao poder (e raras vezes chegou) que a "inutilidade" dos empregos consistia em não serem dela. Quando os "empregos" passavam para os "patriotas" do café Marrare e de outros cafés bem pensantes tornavam-se miraculosamente "úteis".

 

Dantes o ódio à burocracia disfarçava a ganância. Hoje disfarça a total ausência de pensamento político dos sábios de Vilamoura e a sua basáltica impermeabilidade ao real. Joaquim António de Aguiar declarou à hora da morte que não tinha gostado de nascer entre estúpidos, viver entre estúpidos e morrer entre estúpidos. Foi um excesso lamentável que só as circunstâncias explicam. Não está com certeza fora dos limites do entendimento dos sábios de Vilamoura que, em Portugal, o Estado preenche, ou tenta preencher, a diferença entre as expectativas dos portugueses e a pobreza do país e que, portanto, o défice é proporcional a essa diferença e reduzi-lo implica baixar essas expectativas.

 

Vamos lá devagarinho e com paciência. As expectativas dos portugueses não dependem apenas no governo. Dependem sobretudo do que os portugueses conhecem do estilo de vida na Europa e na América; das promessas que receberam de inúmeros demagogos desde 1974; e das próprias mudanças para melhor nestes últimos tempos. Incontestavelmente, o dr. Cavaco acirrou o apetite a toda a gente durante os dois anos da absurda campanha eleitoral, que começou no governo de 85 e acabou em 19 de Julho. Mas resta apurar se, sem ela, a situação seria menos intratável.

 

Os portugueses querem as escolas e as universidades que têm e mais escolas e mais universidades e mais professores e mais instalações. Querem mais hospitais, mais médicos e tratamentos mais caros. Querem reformas maiores. Querem mais casas e mais baratas. Querem mais esgotos, mais estradas, mais electrificação, mais água canalizada, mais tribunais e tribunais mais eficientes. Querem mais isto e mais aquilo e, a seguir, ainda mais e mais. Não há fundo no que os portugueses querem e no que se sentem com direito a ter. Os inválidos querem a assistência, os atletas pistas de tartan, os cineastas filmes e a aldeia de Pouca Terra o restauro de uma capela. Basta ligar a televisão dez minutos por dia para se apreciar o abismo insondável do que os portugueses esperam do Estado. Digam-me os sábios de Vilamoura de quem é que eles hão-de esperar? Da sua pobreza ou de Nossa Senhora de Fátima?

 

Nenhum milagre financeiro (incluindo a venda das empresas públicas e a contenção temporária da dívida) pode algum dia vir a satisfazer as exigências do país, no mínimo necessário à paz e ao equilíbrio social, com as receitas "normais" do Estado. O défice é, por consequência, inevitável e o crescimento do défice também, uma vez que a soma do que os portugueses consideram o mínimo necessário cresce exponencialmente à medida que esse mínimo é satisfeito. Por outro lado, como o grande Merlin não tardará a descobrir, a pobreza não põe limites à voracidade indígena, mas põe estreitíssimos limites à carga fiscal suportável pela classe média que, para classe média, vive numa patética indigência, constantemente ameaçada de um sério trambolhão social. Não é por acaso que, desde os bons tempos de el-rei D. João VI, os governos andam por aí apertados entre o imposto e a dívida, ora caindo por causa do imposto, ora caindo por causa da dívida. Neste capítulo, nada mudou. O que mudou foi a quantidade de coisas desejadas, hoje infinitamente maiores.

 

Não sendo pessoas mal nascidas e ordinárias, os sábios de Vilamoura não se preocupam com política. Limitam-se a oferecer opiniões muito avisadas e criteriosas, para os políticos, no seu próprio interesse, seguirem à risca. Eles guiam-se pela razão, os políticos pela razão inferior de ganhar votos, a que sacrificam a Pátria e o Desenvolvimento. Mas nunca lhes ocorreu que se, por exemplo, o dr. Cavaco não ganhar votos, os ganha o dr. Constâncio pelos mesmos sórdidos processos e para os mesmos repelentes fins, ou que a aplicação das suas receitas, além do recheio das suas queridas cabecinhas, exige dez PIDES e um considerável alvoroço.

 

O grande Merlin, agora bastante depenado, já pertenceu ao grupo dos sete sábios de Vilamoura. Este ano começou a sua educação. Ainda tem muito que aprender. Quando aprender tudo, vai descobrir que afinal não é o grande Merlin, é o dr. Cavaco, pequeno político com muita sorte, metido no pântano até ao pescoço. Como os outros, coitado. Um pobre homem.»

 

(Vasco Pulido Valente, in O Independente, 21 de Outubro de 1988)

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 20:59
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Quarta-feira, 5 de Setembro de 2012

O umbigo

 

(Onde está o António-Pedro?) 

 

Conheço gente que, nos dias em que Vasco Pulido Valente publica, começa o Público pela última página; e que diz, no fio das discussões: VPV acha que...; ou: Já leste o que diz VPV?

 

É um caso singular: nenhum outro colunista tem o mesmo grau de influência, há décadas a fio, sem filiações partidárias recentes nem amizades conhecidas, zurzindo com implacável ecumenismo personalidades do espaço público, da esquerda à direita, e sempre com um infalível faro para descortinar o interesse oculto, o raciocínio ínvio, a ignorância petulante e o ridículo, sobretudo o ridículo - das pessoas e das situações.

 

Muitas vezes faz paralelismos com o passado, explicando que somos o que somos e agimos como agimos porque temos uma História, que nos condiciona e nos faz, mais vezes do que a modernidade imagina, morder o próprio rabo, na roda infernal do País atavicamente atrasado e zangado consigo mesmo por isso. Tudo isto numa prosa em que, como uma marca registada muito difícil de copiar, diz muito com pouco - precisamente o oposto do que faz quem, por interesse, necessidade ou simples desejo de intervir, se manifesta no espaço público.

 

Esta, imagino que consciente e trabalhada, capacidade de condensação, faz com que tenha níveis de leitura: há a personalidade, o fait-divers, o caso do dia; pode haver o innuendo, a insinuação, a referência implícita; às vezes, a perspectiva histórica; e, no final, a moral da história, quando não a deixa para nós.

 

Neste plano é fácil granjear inimigos - basta que onde o caso ou a personalidade do dia sirva de pretexto para fundar uma certa visão das coisas se queira ver, ou não se vá além, da fulanização.

 

É o caso deste texto de António-Pedro Vasconcelos: é óbvio que VPV não estava a pensar nele - por que raio haveria de ser nele - quando escreveu o que escreveu sobre a RTP. Mas estava, evidentemente, a pensar em todos os que sairão materialmente prejudicados pela resolução do problema do sorvedouro de dinheiro que a RTP é - uma multidão, dentro e fora dela.

 

Que haja quem defenda com unhas e dentes a inevitabilidade do custo público de um serviço público cujo perfil aliás ninguém define, é perfeitamente legítimo; que António-Pedro Vasconcelos esteja em numerosa companhia, e nessa companhia haja gente de boa-fé e sem interesses de ordem material na manutenção do status quo - não é contestável.

 

Mas VPV é, na ordem civil, um opinion-maker de peso e um académico respeitado; e António-Pedro é, na mesma ordem - qualquer coisa. E não precisa de fazer grandes-planos sobre o seu umbigo; ficou a saber-se que é enorme.

 

publicado por José Meireles Graça às 00:51
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SOS Gremlin: "Quem. O quê."

 

«No passado dia 1, na sua coluna de opinião, sob o título "Quem? O quê?", Vasco Pulido Valente (VPV) desceu a um nível que jamais havia imaginado que fosse capaz, insultando levianamente todos os que têm defendido o Serviço Público de Rádio e de Televisão (SPT), a mim incluído, ao afirmar que o fazem "geralmente, para defender o seu emprego e o seu dinheiro".

 

Quero lembrar a VPV três factos simples (embora saiba que para ele a realidade tem pouca importância quando não se ajusta às suas convicções):

 

a) o manifesto “Em defesa do serviço público de rádio e de televisão” conta neste momento com 413 assinaturas de personalidades independentes, das mais variadas áreas profissionais e de vários quadrantes políticos e ideológicos;

 

b) o debate público sobre o futuro do SPT, reavivado agora pelas recentes declarações de António Borges, fez emergir milhares de opiniões de cidadãos portugueses preocupados com a eventual extinção do SPT que, no espaço público, excedem várias vezes em número o daqueles que se manifestam a favor da sua extinção;

 

c) os inquéritos de opinião, auscultações, sondagens, etc., que têm sido feitos nos media têm revelado invariavelmente uma esmagadora maioria de portugueses favoráveis à manutenção do SPT.

 

Convinha, por isso, que VPV explicasse que emprego e que dinheiro está tanta gente a defender quando pugna pela existência de um SPT. Que emprego e que dinheiro estão a defender personalidades como Siza Vieira, Laborinho Lúcio, António Arnaut, Bagão Félix, Marinho Pinto, Carlos Vale Ferraz, Carlos Tê, Daniel Sampaio, Francisco Sarsfield Cabral, Helena Roseta, Hélia Correia, Henrique Cayatte, Irene Flunser Pimentel, Januário Torgal Ferreira, Joana Vasconcelos, João Caraça, Joaquim de Almeida, Júlio Pomar, Mário de Carvalho, Miguel Anacoreta Correia, Miguel Sousa Tavares, Narana Coissoró, Pedro Rebelo de Sousa, Ricardo Sá Fernandes, Sérgio Godinho, para citar apenas alguns dos 413 nomes que já assinaram o manifesto, a maioria dos quais nunca obtiveram qualquer provento da RTP ao longo da sua vida e cuja carreira profissional (à excepção de períodos de exercício de cargos públicos por via da legitimidade eleitoral) foi sobretudo construída no sector privado, ao contrário de VPV que, ele sim, pertence há anos aos quadros do Instituto de Ciências Sociais, um serviço público cuja existência, utilidade e importância não me ocorreria questionar.

 

Quanto aos "iluminados" (uma das expressões mais habituais no seu vocabulário juntamente com o termo recorrente “indígenas” sempre que se refere aos portugueses que sobram para além da sua ilustre pessoa), que ele considera incapazes de esclarecer o que é um SPT, remeto para o admirável artigo de Adelino Gomes, publicado no mesmo dia, também no Público, nas "costas" (salvo seja) do seu. E relembro que os ditos "iluminados" têm por companhia, no seio da EU, 26 países e respectivas opiniões públicas onde não se põe em causa a existência de um SPT, enquanto VPV tem por companhia esse farol da cultura europeia chamado Luxemburgo, de onde tantos contributos têm vindo para a civilização ocidental.

 

Esta tese dos "iluminados", "meia dúzia de extravagantes”, que "persiste(m) em discutir o indiscutível" – mas que, afinal, proliferam por toda a Europa e até pelo mundo “civilizado” – trouxe-me à memória a célebre história da mãe que, ao assistir, orgulhosa, à parada militar do filho e ao verificar que ele marchava com o passo trocado em relação ao resto do pelotão, culpou o pelotão pelo desacerto da marcha...

 

Por fim, aproveito para relembrar aos leitores, e ao próprio VPV, que ele foi director de programas da RTP em 1974, e que viveu uns anos em Inglaterra, onde foi generosamente "educado" pela BBC. Nessa altura, sabia o que era o Serviço Público de Televisão.

 

É verdade que o mundo, entretanto, mudou muito. E ele também. Para pior.»

 

António-Pedro Vasconcelos, in Público - 4 de Setembro de 2012

 

__________

 

Nota: SOS de apoio a este post.

 

 

publicado por Gremlin Literário às 00:45
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SOS Gremlin: "Quem? O quê?"

 

«A “pouca vergonha”, a polémica, o “crime”, a “histeria” que por aí se se levantou a propósito da RTP põe a qualquer espectador responsável duas perguntas: “Quem está a discutir o quê?”. Para começar pela primeira, convinha saber quem é exactamente o sr. dr. António Borges. Não o currículo ou a idade da criatura, que toda a gente conhece, mas que espécie de autoridade tem, de quem depende e que influência exerce no que se chama ainda o governo português. O título que lhe deram – “consultor” – não adianta nada. Um “consultor” pode na prática mandar ou ser um melancólico ornamento que ninguém ouve e a que ninguém liga. A que espécie pertence o dr. Borges, com o seu arzinho “catedrático” e o seu part-time no “Pingo Doce”? Num caso, não vale o tempo que se perde com ele, no outro merece um exame democrático, que ninguém, por enquanto, se lembrou de fazer.

 

Digo isto por boas razões. Deste episódio da RTP ficou a impressão que os srs. ministros e o seu bando de “adjuntos” andam por aí à solta a disparatar sem regra e sem política, contando que, se por acaso se meterem num sarilho, o primeiro-ministro lhes virá pressurosamente salvar a pele. Foi o sr. Álvaro, foi o sr. Relvas e agora apareceu o dr. António. Ora, se os portugueses podem suportar com alguma paciência os “sacrifícios” da crise, não me parece que aturem durante muito tempo a desordem e a ambiguidade em que o governo vive. Pedro Passos Coelho precisa de arrumar a casa. Um problema relativamente simples como o da RTP não explica ou justifica quatro opiniões diferentes – do CDS, do dr. Borges, do indescritível Relvas (hoje na clandestinidade) e do velho lobby da extrema-esquerda e da extrema direita, que ressurge sempre nesta matéria. Toda a gente grita e o país pasma.

 

E toda esta gente grita porquê? Porque não quer que lhe tirem o “serviço público de televisão”? De maneira nenhuma. Desde de que me lembro (e conto com o tempo da Ditadura) nunca existiu em Portugal um “serviço público de televisão” e, para complicar as coisas, não existe também um único “iluminado” capaz de esclarecer sem retórica cultural e patrioteira o que é, na sua essência, um “serviço público de televisão”. Mesmo em Inglaterra já se põem dúvidas sobre a BBC. Aparentemente, só nós descobrimos, com uma certeza absoluta, do que na verdade se trata. E, como de facto, o que descobrimos não passa de uma fantasia (ou de saudosismo imperial), meia dúzia de extravagantes (geralmente para defender o seu emprego e o seu dinheiro) persiste em discutir o indiscutível.»

 

Vasco Pulido Valente, in Público - 1 de Setembro de 2012

 

__________

 

Nota: SOS de apoio a este post.

 

 

publicado por Gremlin Literário às 00:30
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