Há dias um senhor respeitável e já de certa idade, professor universitário, pronunciava-se na SicN sobre os incêndios e referiu-se em termos elogiosos, como praticamente toda a gente que é gente, ao relatório da comissão técnica independente, ressalvando porém que as alterações climáticas nele não figuram (aposto singelo contra dobrado que o mesmo senhor, há meia dúzia de anos, não diria "alterações climáticas" mas "aquecimento global"). Vai daí, fomos servidos com o cenário de horror que nos aguarda no futuro se não o ouvirmos, e aos colegas dele, sobre o risco enorme de não seguirmos a receita que prescrevem, e que invariavelmente consiste em despender mais recursos públicos para alimentar estudos e organismos, impor mudanças de comportamentos e adoptar as tecnologias que aconselham. O que aliás vem sendo feito, ainda que não ao ritmo desejável, que fica sempre aquém do que estimam imperativo para salvarmos o planeta.
José Gomes Ferreira, conhecido como jornalista de assuntos económicos, tem uma tese: há ignições a mais, inexplicáveis, e é preciso apurar quem ganha com os fogos. Quem compra a baixo preço as madeiras ardidas, os proprietários dos meios aéreos (na verdade são aeronaves mas a comunicação social utiliza esta expressão porque é ignorante) que ganham com os fogos, e sobretudo quem adquire propriedades ardidas para emparcelamento. Sem esta investigação, nada feito: não perceberemos nada. Mas a ele, José Gomes, não lhe fazem o ninho atrás da orelha: isto tudo é um caso de polícia.
Não falta gente a reclamar alterações ao Código Penal, agravando a moldura do crime de fogo posto, havendo até petições a circular com esse propósito. E não custa imaginar que se um partido político se lembrasse de propor na Assembleia sérios endurecimentos, incluindo a obrigação de o juiz impor a prisão preventiva em todos os casos, o eleitorado, e a comunicação social, rebolariam de gozo e os potenciais incendiários, tolhidos de medo, dedicar-se-iam a outras malfeitorias menos lesivas do ambiente.
Miguel Sousa Tavares espuma de raiva contra os eucaliptos. Se em Portugal nunca aquela árvore maléfica tivesse adquirido a importância económica que levou a que não sei já quem a tivesse descrito como o nosso petróleo verde, teríamos soutos de carvalhos seculares e castanheiros, fartos renques de vidoeiros, tudo entremeado de gordas searas ondulando ao vento, e largas sombras de tílias sob as quais, ao mesmo tempo que aspirávamos os aromas do loureiro, do alecrim e do tomilho, podíamos ler enlevados as recomendações do arq.º Ribeiro Teles para um país imaginário e perfeito, as Éclogas de Virgílio e as obras completas de Sophia, para chorar mansamente de comoção.
De adeptos de mudanças estruturais há um ror, embora não digam todos exactamente o mesmo. Todos porém concorrem num ponto: o proprietário florestal não limpa, não planta o que deve, não vigia, atreve-se inclusive a ser anónimo, é demasiado pequeno a norte do país, e demasiado grande a sul, pelo que há que lhe impor obrigações a golpe de proibições, licenças, multas e - é aqui que nascem as diferenças de abordagem - confisco.
Confisco para o Estado, que quando em veste de proprietário faz o que fez no pinhal de Leiria, o qual ardeu em mais de dois terços, mas apenas possivelmente por falta de meios, dada a excessiva timidez na cobrança de impostos.
Não compro nada disto. Mas aquando dos incêndios de Pedrógão escrevi um post onde referia um Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, de 2005, cujos autores estão, ao menos pela sua maior parte, ainda vivos, e que decerto teriam o maior gosto em actualizá-lo, eventualmente acrescentando outros nomes entretanto surgidos de especialistas na área.
Não é que as decisões finais não tenham que ser políticas; não é que as teses sejam todas pacíficas; não é que passando à prática não se venham a revelar necessários acertos, revisões, correcções de pontos de vista.
É que o combate aos incêndios florestais é uma coisa; e a reforma da floresta outra. Para o primeiro o relatório referido a início diz o que convém; e para a segunda o Plano vale mil vezes os palpites que acima, sem preocupações de ser exaustivo, listei.
Sobre a história dos fogos de domingo passado direi apenas o seguinte: A popularidade de Costa não parece beliscada de um modo que não possa ser corrigido por um novo aumento das pensões, a três Euros por cabeça, uns milhares de admissões na função pública, umas benesses a funcionários e mais umas cedências a comunistas; as cabeças de personagens inenarráveis que já rolaram, e as que virão a rolar, serão substituídas por outras nulidades da coudelaria do PS; Marcelo apareceu, por contraste, como um estadista; e os mortos não, nem os que perderam haveres e modo de vida, mas uma parte dos vivos sim, todos os que apoiam este governo deplorável, têm o que merecem.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais