O socialismo está-se a aperfeiçoar, a tornar cada vez mais justo e menos desigual.
Se durante todo o século XX foi o sistema baseado em tirar a todos para dar a uma ínfima minoria de dirigentes de topo, colaboradores, nomeadamente militares que lhes asseguravam a permanência no poder, e seus protegidos, não parou de evoluir e, em Portugal, já se pode dizer que atingiu o estado mais avançado de tirar aos pobres para dar aos ricos.
Sabem qual é o município com maior poder de compra de Portugal? É Lisboa, com o dobro da média nacional. E o município com poder de compra mais baixo? Cinfães, com metade da média nacional. Em média, os munícipes de Lisboa têm um poder de compra quádruplo do dos de Cinfães.
Na realidade a diferença é ainda maior. A esmagadora maioria dos munícipes de Lisboa têm, a walking distance da sua casa, uma caixa multibanco, uma farmácia, o centro de saúde, a escola, a esquadra da polícia, a junta de freguesia, um Minipreço ou um supermercado low-cost. Para não falar num hospital ou numa universidade. E, se não os tiverem assim tão perto, têm uma paragem de autocarro ou uma estação de metro para apanharem o transporte público para os levar até ao destino. Por um preço abaixo do custo real do serviço, e é por isso que as empresas públicas de transporte de Lisboa acumularam prejuízos que foram pagos por uma dívida que cresceu como uma montanha para assumir proporções de impagável.
Já os de Cinfães, e eu escrevo isto correndo o risco de imprecisões sem me ter documentado previamente no Google Maps para não apanhar uma depressão no primeiro dia do ano a sofrer com as penas deles, o único equipamento que provavelmente têm a curta distância de casa é a igreja. Todos os outros, para a esmagadora maioria deles, estão à distância de uma viagem de automóvel, particular, para os que os têm, ou de praça, que é o nome que os taxis têm por esse Portugal fora. A que custo? Comparativamente com o autocarro ou o metro dos lisboetas, upa, upa! Uma única deslocação pode custar mais que o passe mensal para os transportes de Lisboa. E quando querem meter os filhos na universidade, alugam-lhes um quarto na cidade onde conseguirem vaga e pagam-lhes as deslocações à terra. Se ganham quatro vezes menos, gastam muito mais para terem o mesmo, pelo que o seu poder de compra resulta bem inferior a um quarto do dos lisboetas.
Mas eles são poucos e os lisboetas são muitos, e quando se vai a votos a quantidade de eleitores conta, e em 2017 vai-se a votos, e o governo socialista decidiu dar um presente à câmara socialista de Lisboa. Ofereceu-lhe a Carris, para poder dispor dela a seu favor nestes meses que faltam para as eleições.
Mas simplesmente entregá-la à CML tinha um problema: a dívida, resultante de décadas de prejuízos acumulados a disponibilizar aos lisboetas transportes a preço abaixo do custo real, de 700 milhões de euros, que não só constituiria um encargo pesadíssimo, como um bloqueio à capacidade de a empresa se endividar ainda mais para investir a melhorar o serviço aos utentes e fazer uns floreados que ficam bem em ano de eleições, coisas como renovar a frota com autocarros eléctricos ou reforçar carreiras para os utentes não se chatearem por ter de esperar tanto pelo autocarro. Vai daí, o António Costa, que se fosse advogado de divórcios conseguiria aos seus clientes divórcios daqueles em que o marido fica com a casa e a mulher com a dívida ao banco, assumiu a dívida da Carris para oferecer à CML uma empresa sem encargos de dívida e com a possibilidade de começar de novo a endividar-se a partir do zero, ser muito mais perdulária, e fazer um figurão nos primeiros anos de gestão camarária. E, digo eu, os lisboetas que não se assustem com a responsabilidade, porque a Carris vai continuar a gastar mais do que consegue cobrar, e vai voltar a recorrer à dívida, mas, um dia, quando a nova dívida se tornar impagável, outro governo socialista tratará de a assumir, como este fez a esta. A dádiva foi tão generosa que o próprio António Costa confessou que tinha inveja por não ser ele o presidente da CML a recebê-la para fazer floreados com ela, mas desejou-lhe felicidades, o que mostra que não é homem de rancores.
Quem diz o António Costa assumiu quer de facto dizer o António Costa transferiu para todos os contribuintes o encargo da dívida.
E assim chegámos ao socialismo do século XXI. Em vez de deixar aos lisboetas, que são os munícipes mais ricos do país, a dívida de 700 milhões de euros que foi acumulada para lhes oferecer transportes públicos a preço abaixo do custo, e que já ia em 1.400 euros por lisboeta, distribui-a por todos os contribuintes, mesmo os mais pobres a quem não são oferecidos transportes públicos nenhuns, mesmo os de Cinfães, numa razão de 70 euros por português, ou 280 euros para um agregado familiar de quatro pessoas.
Pelo que chegamos ao que queriamos provar: tirar dinheiro aos pobres de Cinfães para dar transportes públicos baratos aos ricos de Lisboa, como fazem em Portugal os socialistas do século XXI, é um grande avanço em termos de justiça social e combate às desigualdades comparativamente com tirar a todos para dar apenas aos governantes e generais e respectivas famílias, como fizeram no século XX, e continuam a fazer no XXI, os socialistas de todo o mundo.
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