A 200 metros do meu portão passa uma ciclovia, agora ligada à, já antiga, que vai até Fafe, utilizando a quase totalidade do leito do caminho de ferro que foi desactivado em 1986 e que estava ao serviço desde 1907.
O novo troço foi inaugurado em Setembro do ano passado, com a devida solenidade, isto é, presumo, com o discurso de circunstância da nulidade que sobraça(va) a pasta dos transportes e as eructações aldeãs do edil local.
“O objetivo desta intervenção é generalizar o uso da bicicleta na vida quotidiana dos vimaranenses, transformando-a num meio de transporte e não somente num veículo de lazer ou de desporto”, diz a notícia e pensam decerto as luminárias que promovem estas modernices.
Anteontem, com um sol radioso, fui investigar e caminhei por um pouco mais de 6 km, isto é, até à actual estação ferroviária de Guimarães, onde hoje acaba a linha que vem do Porto. É um bonito passeio porque não houve ainda tempo de poluir a paisagem – a linha estava protegida por uma zona non aedificandi e não havia particular apetência para construir perto do barulho e fumarada dos comboios. Veem-se, a nível quase sempre inferior porque o trajecto é numa encosta, novas urbanizações, geralmente com prédios abomináveis à la Souto Moura, mas sem bandalheiras e lixo no entorno, e com acessos e parques de estacionamento razoáveis.
A novel pista tem um piso impecável, irrepreensivelmente pintado num bonito bordeaux, com sinalética esclarecedora e abundante, e postes de iluminação negros, de design contido. O alcatrão acaba em guias de ferro discretíssimas e bem colocadas, as bermas têm largura uniforme e uma cuidada gravilha. Em suma, a execução é excelente.
A meio, parei numa esplanada de um café moderno, para um sumo de laranja que não havia, substituído por um fino de cerveja morta, um lanche ressequido e dois cigarros.
Quer dizer que o passeio durou pr’aí uma hora e meia. E neste espaço de tempo, a meio da tarde de um dia esplendoroso, vi três ciclistas.
A ideia de que numa cidade onde é tudo a subir e a descer, onde nos longos meses de Inverno faz um frio de rachar não tanto porque as temperaturas sejam muito baixas mas porque há vento e chuva, e onde no Verão as temperaturas sobem acima dos 30º, possa haver um número significativo de pessoas que abandonem o carro, ou a motoreta, ou os transportes colectivos, a benefício da mitificada bicicleta, é um absurdo.
Absurdo que só se explica porque correm rios de dinheiro da Europa nos cofres municipais, e fortes correntes de ar pejado de alucinogénios entre as orelhas dos autarcas.
Estas brincadeiras custam milhões. Os milhões que não existem para coisas tão simples como tampas de saneamento à face dos pisos das estradas e arruamentos, e não salientes ou afundadas, ou acessos decentes e bem mantidos a zonas residenciais ou industriais. Isto numa longa lista de aplicações alternativas socialmente mais úteis de recursos públicos, mesmo dando de barato (eu não dou, mas não é disso que aqui trato) que diminuir impostos não é razoável e que a União Europeia é tão estúpida, e a nossa diplomacia tão impotente, que dinheiro só há para torrar em fantasias.
É de fantasias que se trata: jamais a população aceitará, se tiver outro remédio, que a medida do progresso é a deslocação por tracção animal, que tinha ficado lá atrás, até meados do séc. XX. E por muitos partidos verdes ejaculando propaganda pró-ambiente de China maoísta, injunções de médicos fascistas que esqueceram o juramento de Hipócrates para o trocar pela engenharia de costumes sadios, e esquerdistas sortidos que não descansam enquanto não construírem um homem novo, o raio da pista continuará deserta.
Estranho caso: A certo ponto quase toda a gente concordou que a construção das autoestradas sem tráfego assinalável foi uma malbaratação de recursos, e que as externalidades positivas foram uma invenção de políticos venais ou inconscientes. À escala local, as ciclovias não são um escândalo menor. Abençoado embora por quanto idiota sabe, melhor do que as pessoas, o que a elas convém, e ainda que as mesmas pessoas, por julgarem que o dinheiro não lhes sai do bolso, achem que as ciclovias são uma óptima ideia – para os outros.
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