Hoje o António Costa teve a sua maior vitória política da toda a legislatura.
Conseguiu que entidades independentes do governo, o Banco de Portugal e o Tribunal e Contas, cedessem à pressão que o governo e os partidos da maioria fizeram sobre eles para nomear para o Conselho Superior do Conselho de Finanças Públicas, não personalidades notáveis com um currículo técnica e eticamente inatacável, como a Doutora Teresa Ter-Minassien, a italiana do FMI que veio em 1983 salvar o país da falência resultante da irresponsabilidade financeira criminosa dos governos que o conduziram à inevitabilidade de um programa de assistência financeira internacional, alô, doutor Pinto Balsemão! mas dois conhecidos economistas da linha ideológica da Economia da Quimera, ou seja, daqueles que dizem que a austeridade é, não o estado natural de quem gastou todo o dinheiro que tinha e esgotou a capacidade de se endividar ainda mais para continuar a gastar, mas uma maldade dos credores que impedem a economia de crescer utilizando as mesmas fórmulas que antes a conduziram à depressão e à falência mas agora de certezinha que iria crescer, ou que deixar de pagar aos credores é uma opção viável, contando que quando for preciso mais dinheiro eles não deixarão de o continuar a emprestar.
Conseguiu que lhe propusessem para aprovação o economista Paul de Grauwe, que depois de ter sido conselheiro do presidente Durão Barroso na Comissão Europeia, o que já não constituía grande referência curricular, passou toda a legislatura anterior a fazer profecias idiotas como "Os portugueses é que estão a pagar aos alemães", "Portugal não deverá escapar a reestruturar dívida" ou "Portugal errou ao querer ganhar o concurso de beleza da austeridade", que poderiam perfeitamente ter sido ditas por outras sumidades do mundo do espectáculo como a actriz Catarina Martins ou o comentador Anacleto Louçã, e pelo professor Miguel St Aubynor, de que nunca ouvi falar, mas um dos autores do recente relatório sobre a sustentabilidade da dívida pública produzido pelo grupo de trabalho criado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda que, à falta de propor o calote aos credores, ou de lhes impor a renegociação à força para aumentar os prazos e reduzir os juros da dívida, propôs uma gestão da dívida no arame e sem rede, baseada em mais dívida de curto prazo, de juros mais reduzidos actualmente mas com exposição ao risco de aumentarem, e de mínimos históricos não há caminho que não seja o de começarem a aumentar, e de em qualquer crise de crédito não se conseguirem colocar emissões em volume suficiente para reembolsar as emissões que atingem a maturidade, ou seja, de falhar reembolsos.
Salvo as devidas proporções, conseguiu o equivalente a o PSD desistir de propor a deputada Teresa Morais para presidir ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa e propor em vez dela o comentador José Pacheco Pereira. Ou a nomear o economista Francisco Louçã para o Conselho Consultivo do Banco de Portugal. Que já lá está, aliás. Gente que assuma o papel, não de fiscalizar, mas de apoiar o governo. Alô, presidente Rebelo de Sousa?
A estratégia do primeiro-ministro é clara: impedir independentes de assumirem responsabilidades em entidades de fiscalização independentes, de modo a que a independência em demasia não as encoraje a levarem a sério as suas responsabilidades de fiscalizar quem fiscalizam, nomeadamente, o governo a que preside. Este risco é tanto mais elevado no domínio das finanças públicas quanto se percebe que o aumento da dívida líquida dos depósitos, que devia correponder ao deficit real por uma equação aritmética simples, tem andado a corresponder ao dobro do déficit contabilizado, o que indicia um elevado grau de criatividade na contabilização do deficit. Que é indesejável, na óptica de quem o calcula e apresenta assim, ver desmascarada.
E agora abro um parêntesis para dirigir uma pergunta a eventuais capitalistas que haja na plateia. E a respectiva resposta.
Portanto, e tendo uma noção do caminho que podemos tomar com probabilidade crescente com o esvaziamento das entidades de fiscalização independentes, o caminho que se toma quando elas fecham os olhos ao que deviam fiscalizar, vamos ter um Conselho de Finanças Públicas que, além de ser alvo permanente de apoucamento na figura da sua presidente pelos jagunços mediáticos do grupo parlamentar do PS, sempre apoiados, como se estivessem concertados, pelas piadolas oportunas do palerminha dos afectos, além de legiões de atrasados mentais que nas redes sociais manifestam incómodo pela dissonância entre a apresentação da senhora e as exigências da moda actual, tudo junto preparando o povo para não se indignar por, antes achar louvável, o governo mandar às malvas as críticas e recomendações do conselho e continuar a gastar o que tem e o que não tem, com os retoques contabilísticos para parecer que gasta pouco, mas acabando sempre por aparecer na dívida, onde o governo não tem capacidade, ou até tem mas é financeiramente mais sofisticado, alô swaps? para dar retoques, porque a dívida é o que os credores exigem contratualmente e não o que o governo decide dizer ao país que deve.
Demos então o salto no abismo. Mas sejamos felizes!
PS: Coloco aqui as figuras que servem para ilustrar a resposta a um comentário de um leitor que não sei como colocar na caixa de comentários, pedindo deste facto desculpa aos restantes leitores.
O deficit passou de 11,2% em 2010 para 2,9% em 2015, tendo sido aumentado para 4,4% já na legislatura actual com o resgate do Banif decidido e concretizado pelo governo actual no final do ano. O valor de 2014 está afectado pelo empréstimo ao Fundo de Resolução para resgatar o BES, o banco do regime socrático, sem o qual o deficit teria sido de 4,5%.
A dívida pública aumentou 90 mil milhões de euros durante o governo do José Sócrates nos 6 anos de 2005 a 2011, ao ritmo de 15 mil milhões por ano. Aumentou 35 mil milhões nos 4 anos da última legislatura, ao ritmo de 8,75 mil milhões por ano, tendo sido o aumento em 2015 de 5,5 mil milhões. E aumentou 10 mil milhões no primeiro ano de governo actual do António Costa.
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