Eu admiro quem consegue detectar inteligência nesta forma de vida, porque eu não lhe consigo detectar nenhuma, mas apenas uma retórica simplória baseada em pressupostos delirantes e mil vezes negados pela realidade e expressa com a auto-suficiência dos inocentes e dos tolos.
No caso presente, e geralmente sempre que fala, em dois pressupostos.
É o pressuposto mais interiorizado por todos os socialistas do século XXI, os keynesianos graças a Deus, moderados ou extremistas. Foi usado, refinado e quantificado pelos doze sábios convidados pelo António Costa para desenvolver o Cenário Macroeconómico "Uma Década para Portugal" e, depois, no Orçamento de Estado de 2016, em que intervieram alguns desses mesmos sábios. Que conseguiram garantir que "por cada euro de estímulos, retoma devolve quatro".
Este pressuposto gera infinitas possibilidades interessantes. Por exemplo, se se estiver à espera de um deficit de 3% e se aumentar em 1% a despesa, consegue-se um ganho de 4% na execução orçamental que anula o deficit. Genial. Imagine-se aumentar a despesa em 33% e obter um retorno de 132%, um excedente orçamental suficiente para liquidar de um trago toda a dívida pública portuguesa, como se fosse coisa de criança? Fabuloso. E é um pressuposto irresistivelmente apelativo porque, além de oferecer aos seus crentes o consolo desta esperança de acabar com os problemas financeiros sem dor, como funciona à base de devolver rendimentos às pessoas, ou seja, de distribuir dinheiro aos eleitores, também tem um potencial muito simpático no plano eleitoral. É milagroso.
O único senão é que não funciona. Foi usado pelo governo socialista em 2009, e a economia não cresceu. Pelo contrário, o governo estimulou Portugal até à beira do abismo financeiro de onde só se livrou de cair in-extremis, evitando uma catástrofe económica e social, e provavelmente política, com o plano de assistência financeira da troika, de onde até se saiu mais bem do que mal, comparando com o percurso trágico de outros países como a Grécia, com um sofrimento que atingiu muitas pessoas e irritou outras, nem sempre as mesmas. Está a ser usado por este governo, e, ao fim de quase um ano, a economia também não cresce, pelo contrário, deixou mesmo de crescer, com consequências para a economia, a sociedade e as finanças públicas que mais lá para diante, um dia, se revelarão. Se bem que, no caso presente, não se possa desprezar a contribuição que a retórica idiota dos jovens dirigentes socialistas, de dentro e fora do PS, de ameaçar o banqueiro alemão, os mercados, as agências de rating, os patrões, os investidores, os proprietários, os aforradores, até os jornalistas neoliberais, tem tido para fomentar o desinteresse de quem tem dinheiro por investi-lo e criar emprego, crescimento e riqueza, que amanhã qualquer jovem socialista idiota mas voluntarioso pode decretar ir buscar com o aplauso do partido do governo.
Mas, por mais que não funcione, por mais que vá sendo negado pela realidade, quem crê neste pressuposto não desacredita dele facilmente. O que é o caso de muitos, e também da deputada Mariana Mortágua.
Curiosamente, até há evidência empírica de investimentos que proporcionam um retorno de quatro euros por cada euro investido. Não na economia, mas na saúde mental. Isto anda tudo ligado.
A verdade é que aumentar o deficit aumenta o montante total da dívida que o financia, porque não cai dinheiro do céu para o financiar, e os juros pagos por ela, não apenas por aumentar o montante em dívida sujeita a juros, mas também por aumentarem as taxas de juro exigidas pelos credores para continuarem a conceder crédito a quem tem um endividamento crescente, o que faz aumentar os juros ainda mais que proporcionalmente à dívida. Ou seja, é uma grande alhada.
O pressuposto seria inteligente se se tivesse a intenção de não pagar a dívida, e esta metade do requisito ela cumpre-a sem hesitação, e se comulativamente os credores continuassem a emprestar cada vez mais dinheiro a quem não tem a intenção de o vir a reembolsar no futuro. Só que, esta segunda metade do requisito, os credores não são tão otários que a garantam, e em vez de otários são autoritários, como lhe chamam alguns, e não confiam o dinheiro deles a caloteiros que não o tencionam reembolsar. E, infelizmente é da lógica matemática, verdadeiro "e" falso dá falso. Tudo junto, o pressuposto é mais burro que inteligente, assim como os que acreditam nele, porque assenta na crença que os credores são mais burros do que inteligentes, e nem foi assim que eles enriqueceram, nem sempre são assim.
Não se lhe conseguindo detectar inteligência, é de toda a justiça reconhecer-lhe pelo menos uma convicção ímpar. Pelo, como dizia o meu pai, suponho que citando alguém que não retive e infelizmente já não lhe posso perguntar, se
ela é, pelo menos, uma pessoa de opiniões.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais