Os tribunais julgam segundo a lei. E não duvido que a Relação tenha feito, dos factos levados a juízo, um enquadramento adequado ao direito aplicável. E como a vítima (vítima sim) da sentença não pode recorrer, dura lex sed lex e pé-ré-pé-pé.
O legislador, porém, devia rever a legislação, tendo em conta os ensinamentos que se retiram da história que segue:
O banco emprestou 77% do valor que atribuiu a um bem. Suponho que a sentença ou as partes não referem a minudência, mas imagino que pelo trabalho especializado da avaliação se terá feito pagar; assim como, sendo o próprio banco interessado na operação, e tendo a avaliação sido feita por quem para o banco trabalhava, não há razões para supôr que 117.000,00 Euros seriam menos do que o valor de mercado.
Mas o mercado afundou-se pelas razões conhecidas. E o banco, se não fosse gerido por ineptos, e aconselhado por incompetentes, tinha obrigação de saber que estava a caminho, e colaborava na formação, de uma bolha. Dir-se-á que não era essa a opinião dominante na altura. Pois não: se a opinião dominante fosse sempre a melhor, não haveria bolhas, nem crises.
Resta que quando elas vêm, as crises, há que fazer uma repartição de culpas. A notícia não diz as razões pelas quais o devedor entregou a casa, nem quanto já tinha pago, nem quando deixou de pagar e porquê - não faltam jornalistas incapazes de contar uma história com princípio, meio e fim. Mas não é aventureiro pensar que, como muitos, deixou de pagar a casa porque perdeu o emprego. E pergunta-se: o mutuário tinha neste caso mais obrigação do que o banco de adivinhar a crise? E, não tendo, por que razão deve suportar sozinho o risco do negócio?
Claro que os bancos estão entupidos de imóveis; claro que talvez tenham prejuízo com contratos celebrados no tempo das vacas gordas e que não podem renegociar; claro que, sem avales do Estado e financiamentos públicos, boa parte deles teria fechado as portas ou sido absorvido por outros, se é que não implodia o sistema todo e com ele o País; e claro que o Estado que ampara a banca coxa é amparado por ela que lhe compra dívida pública.
Mas no meio deste jogo de magos da finança, governantes aflitos, oposições lunáticas, comunistas e inimputáveis, há pessoas que perderam tudo; e quem tudo perdeu sem culpa não devia ter mais nada a pagar.
Talvez os senhores desembargadores de Évora se pudessem, na floresta do direito positivo, ter lembrado que o Direito não pode servir para realizar o Torto.
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