Os yields da dívida no mercado secundário não são os juros exigidos pelos credores a quem deve, os juros devidos pelos devedores são os que são contratados para cada título quando é emitido, em conjunto com os prazos para os pagamentos de juros e o reembolso do capital.
Quando alguém disse "Os juros exigidos à Grécia já vão em 94,59% (!) nas obrigações a um ano. É mais que usura, é terrorismo financeiro", mesmo que tenha sido um grande poeta do Porto, limitou-se a dizer uma asneira resultante de uma conjunção de activismo político, tremendismo discursivo e ignorância financeira. Que os yields da dívida grega tenham atingido valores próximos dos 100% significa, não que alguém exigiu juros de 100% à Grécia para lhe emprestar dinheiro, mas que houve credores de dívida grega que, com medo que os seus títulos de dívida não viessem a ser reembolsados, se desfizeram deles a metade do preço para outros investidores que, se eles viessem a ser reembolsados, obteriam um lucro de 100% neste investimento. E mesmo estes também acabaram por perder dinheiro nos sucessivos haircuts, eufemismo de calotes, a que a dívida grega foi sujeita. Mas eu não estou aqui para chorar a sorte de investidores com gosto pelo alto risco e altas perspectivas de retorno que perderam o que investiram, adiante.
O yield é, pois, a rendibilidade que um comprador de um título de dívida na bolsa, ou mercado secundário, espera obter do seu investimento, dados os pagamentos de juros e capital que esse título lhe deve expectavelmente proporcionar, e o preço a que o compra.
A ligação entre os yields e as taxas de juro decorre de os yields informarem o mercado do nível de rendibilidade que os investidores estão a exigir para comprar esses títulos de dívida no mercado secundário, e quando se fazem emissões de um novo título semelhante no mercado primário os seus tomadores tenderem a exigir taxas de juro de nível semelhante ao yield no momento da emissão.
E, fechada esta introdução demasiado maçuda e hermética para os leigos, demasiado ligeira e imprecisa para os conhecedores, e na medida certa para os que a saltaram directamente para o parágrafo seguinte, passo ao assunto do dia.
Que contributo dá cada governo para a factura de juros da dívida pública que os contribuintes, que são eles e não os governos a pagá-los, pagam?
A contabilização dos juros pagos ao longo do tempo de exercício de funções de um governo não é uma medida deste contributo, porque um governo paga, a não ser que dure muitas décadas, como os dos irmãos Castro, ou, em menor medida, os do Salazar, esmagadoramente juros de emissões de dívida contraídas dos governos que o precederam. Paga essencialmente juros de dívida emitida a 5, 10, 30 anos, por governos anteriores, e também começa a pagar ao fim de algum tempo os de dívida emitida por ele próprio, que quando cessar funções lega aos governos seguintes. A despesa de juros de um governo não serve para aferir o contributo desse governo para a despesa de juros.
Os yields só influenciam, nem sequer determinam, a taxa de juro de uma nova emissão de dívida. Se hoje houver uma emissão de títulos a 10 anos e o yield dos títulos a 10 anos estiver a x% há uma alta probabilidade de a taxa de juro da emissão ficar muito próxima dos x%. Mas se o yield se mantivesse estável daqui para a frente, se as expectativas dos investidores e a avaliação que fazem da confiabilidade do governo emitente se mantivessem estáveis, as emissões futuras também teriam que pagar juros semelhantes e, eventualmente, toda a dívida hoje existente a diferentes taxas de juro acabaria por ser reembolsada e substituída por nova dívida toda emitida à mesma taxa de x%.
Em determinado momento, a despesa de juros potencial depende do montante em dívida e do yield, que tendencialmente pode vir a ser a taxa de juro futura para toda a dívida.
E ultrapassada mais esta parte demasiado maçuda e hermética para os leigos, demasiado ligeira e imprecisa para os conhecedores, e na medida certa para os que a saltaram directamente para o parágrafo seguinte, passo mesmo ao assunto do dia.
O governo socialista do José Sócrates legou ao governo seguinte no dia 21 de Junho de 2011 uma dívida de 172.393 milhões de euros e um yield de 11,3% para os títulos de dívida pública portuguesa a prazo de 10 anos. A prazo, se este yield perdurasse, toda a dívida pública seria renovada por dívida emitida à taxa de juro de 11,3%, e a factura de juros anual ascenderia a 19.600 milhões de euros, cerca de 11,1% do PIB.
O governo de coligação PSD/CDS do Pedro Passos Coelho legou ao governo seguinte no dia 26 de Novembro de 2015 uma dívida de 231.598 milhões de euros e um yield de 2,33% para os títulos de dívida pública portuguesa a prazo de 10 anos. A prazo, se este yield perdurasse, toda a dívida pública seria renovada por dívida emitida à taxa de juro de 2,33%, e a factura de juros anual ascenderia a 5.400 milhões de euros, cerca de 3% do PIB. Em pouco mais de quatro anos, este governo reduziu a factura de juros potencial em 14.200 milhões de euros, cerca de 7,9% do PIB.
E o governo actual do António Costa? No final de Setembro de 2016 a dívida pública ascendia a 244.420 milhões de euros, e o yield para os títulos de dívida pública portuguesa a prazo de 10 anos a 3,33% (entretanto já aumentou). A factura anual potencial de juros passou para 8.100 milhões de euros, representando cerca de 4,45% do PIB. Em dez meses, a factura anual potencial de juros aumentou 2.700 milhões de euros, ou 1,5% do PIB.
Boas notícias para os credores. Más para os contribuintes. E péssimas para os apoiantes do governo que vivem numa berraria pegada contra o peso da dívida mas apoiam justamente o governo que o faz engordar. O que não é líquido que consigam perceber.
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