Nos longínquos e ingénuos tempos em que o governo actual foi empossado o número de ministérios foi reduzido para apenas 12. À época, a Esquerda, no seu conjunto, não gostou - a Esquerda nunca aprova reduções do Estado, ainda que simbólicas. Mas mesmo naquelas franjas de opinião que por equívoco se costumam arrumar à Direita, pertencentes a uma qualquer baronia do PSD anti-Passos, apareceram vozes a dizer com presciência que havia super-ministérios ingovernáveis, como o da Agricultura e o da Economia, secretários de Estado mal distribuídos, incoerências do organograma, o catano.
Tinham razão, as vozes. Daí que em Abril de 2013 a pasta que sobraçava um extraordinário self-made man no ramo de minas e alçapões, Miguel Relvas, mudasse de titular e fosse dividida em duas: aparece o desenvolvimento regional e os assuntos parlamentares ficam com o seu ministro privativo - aturar 230 parlamentares deve ser realmente uma tarefa ciclópica.
O desenvolvimento regional é uma coisa muito séria: tratava-se de ter mão no despesismo municipal e reformar a organização administrativa do País, reduzindo o número de autarquias. Houve nos dois propósitos grandes progressos: sabe-se, e não se sabia, que há municípios falidos, e jura-se que semelhante desgraça não voltará a acontecer; e algumas freguesias cujo nome ninguém, salvo os locais, conhece, uniram-se, voluntariamente coagidas, a outras cujo nome só era conhecido dos vizinhos. Quanto aos municípios ficaram como estavam, que não é Mouzinho da Silveira quem quer, e pior não querendo.
Em Julho de 2013, crise: Portas foi ocupar o lugar de Vice que deveria ter ocupado de início; um objecto flutuante do regime foi para MNE; Gaspar fugiu para as verdes pastagens do internacionalismo, onde já serenamente engordavam outros pais da pátria como Guterres ou Barroso, confessando à despedida que não foi capaz de reformar o Estado (ninguém se havia apercebido de que tivesse sequer tentado, mas a confissão não deixou de enternecer os corações); sobretudo o ministério da agricultura, do peixe, da qualidade do ar e do desordenamento do território pariu um colega absolutamente novo, do qual havia grande falta para aumentar os obstáculos à criação de negócios novos, complicar a gestão dos antigos, aumentar o peso do Estado na economia, reforçar o poder de burocracias já devidamente incrustadas no sistema e de modo geral assimilar quanta patetice anda no ar em nome do ambiente e das alterações climáticas.
E ei-lo, o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia - realmente tanto lixo intervencionista bem precisava do seu próprio departamento, não fosse algum outro ministério ter a ideia peregrina de facilitar alguma coisa.
Claro que, se qualquer propósito de reforma do Estado foi abandonado, nem por isso a realidade se comoveu. E a realidade é que, não sendo os recursos suficientes, o Estado condena-se a fazer cortes transversais na despesa, sempre insuficientes, e a aumentar os impostos, em nome do equilíbrio.
É a esta luz que se deve entender esta anedota: o regime fiscal das bicicletas, triciclos e trotinetes vai mudar. Nas palavras de um tal Vasconcelos, presidente de uma extraordinária Comissão Para a Reforma da Fiscalidade Verde (palavra!, gente que se imagina com um módico de sensatez patrocinou o trabalho, imagino que remunerado, de um caucus de maduros para nos despertar um sorriso amarelo ou nos enverdecer de raiva): "não vigora no sistema (…) português qualquer incentivo fiscal à aquisição de bicicletas, quer em sede de tributação do rendimento quer de tributação do consumo". Donde, a Comissão recomenda uma trapalhada de benefícios fiscais para as empresas que ponham os seus empregados a andar de bicicleta, desde que seja para ir trabalhar. Se for "com intuito de lazer ou desportivo" o benefício deverá ser menor, visto que "neste segundo caso [são] menos intensas as vantagens ambientais gerais geradas pelo comportamento do indivíduo".
Ignora-se neste passo se a Comissão se terá debruçado sobre o problema dos veículos de tracção animal, vulgo carroças ou carts. Ocorre que o transporte de passageiros em riquexós, rebocados por moços, ou outros muares, preocupados com o efeito de estufa, deveria também, na mesma lógica, ser objecto de uma discriminação fiscal positiva.
Claro que esta parte é a boazinha, para sossegar consciências. Porque no resto (imposto sobre o transporte aéreo de passageiros e os sacos de plástico) é que está o verdadeiro objecto da reforma: aumentar a receita.
Então e a neutralidade dos aumentos de impostos, por a receita prevista ser compensada com cortes noutros impostos? Essa parte não está bem explicada nem o será, por os cálculos serem de uma grande complexidade e porque sim.
E os subsídios ao abate de veículos (na realidade subsídios aos concessionários de marcas automóveis)? Ora, não há perigo: essa medida não deve ser aprovada, por não ser oportuna. A das trotinetes sim: para agradar a Vasconcelos e a gente se rir. Bem precisamos.
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