Julguei que a personagem Vasconcelos das trotinetes fosse um daqueles fogachos que passam pela comunicação social, gozam o seu quarto-de-hora de fama, e depois se desvanecem.
A circunstância de encabeçar uma comissão de nomeação governamental não contrariava, antes reforçava, este ponto de vista: as comissões servem normalmente para se fingir que se está a fazer alguma coisa, ou para dar cobertura a alguma decisão controversa que careça de aparecer sob uma luz de recomendação técnica, e, cumprido o seu papel, já meio esgotado aquando da nomeação e correspondente notícia, fazem o favor de se esfumar.
Hoje tropecei nesta entrevista do funesto Vasconcelos e, curioso, fui investigar quem seria. E, ó surpresa!, não apenas existe como tem um currículo impressionante, no qual avulta ter sido presidente da ERSE, uma entidade criada para garantir que a EDP e toda uma extensa lista de parasitas dos corrupios, cogerações e energias alternativas sortidas nos possa tranquilamente assaltar.
Que diz então o especialista no admirável mundo novo verde? Diz coisas extraordinárias:
“Taxa de congestionamento nas cidades pode ser uma fonte importante de receitas”:
As pessoas que congestionam as cidades com os seus automóveis fazem-no, apesar do custo do automóvel, da manutenção, do seguro, dos combustíveis, do imposto de circulação, do aparcamento e j'en passe porque entendem que esse meio de transporte é o que mais lhes convém. Se os poderes públicos acham que seria desejável que houvesse mais uso dos transportes públicos não têm mais do que lhe melhorar a qualidade nos horários, no conforto, no preço e nas linhas - se for possível. Se não for, vamos esperando por melhores dias, que a evolução tecnológica e da iniciativa privada faz mais para resolver problemas do que todos os iluminados - os automóveis são hoje menos poluentes do que alguma vez foram; só não há mais parques de estacionamento porque os poderes públicos não facilitam a sua construção; e as controversas aplicações para partilha de carros não saíram, nem poderiam ter saído, de nenhuma cabeça oficial nem ofendem a liberdade das pessoas.
"Se tivéssemos certificados de eficiência energética, poderia ser importante".
Importante para quem, Jorginho? Já agora, mesmo sem mais um quarto-de-quilo de papel de regulamentos, novas agências e funcionários metediços, os certificados em questão alimentam uma quantidade de técnicos inúteis, engordam o preço das obras, criam distorções fiscais e obstáculos inteiramente burocráticos à construção, reparação e compra e venda de imóveis.
"A aproximação da tributação do gasóleo à gasolina também [seria importante]".
Pessoalmente, veria com simpatia a perspectiva de os preços da gasolina se aproximarem dos do gasóleo. Jorge, porém, pretende que o preço do gasóleo suba, não que o da gasolina desça. Ou seja, acha que o consumo de combustíveis é excessivo, não obstante a austeridade, pelo que seria desejável uma redução via aumento de preço. Não lhe ocorre que o preço dos combustíveis afecta a actividade económica; que o sector dos transportes depende do preço dos combustíveis; e que nisto como em tanto mais, em matéria fiscal, o que se passa nos outros países, sobretudo em Espanha, não recomenda que tenhamos taxas mais altas, sob pena de sermos pioneiros - na parvoíce.
"Entendemos que poderia haver uma entidade gestora, com responsabilidade na implementação do sistema em todos os municípios abrangidos. Esta medida requer uma determinada infra-estrutura de controlo e de medida..."
Entidade gestora? Implementação? Infra-estrutura? Gotcha, Jorge, queres mais serviços públicos, "investimentos" e fiscais. Já demos para esse peditório, agora o que queremos é menos.
"Isto provavelmente tem a ver com a forma como este debate da fiscalidade é conduzido em Portugal, que é muito doutrinário. Normalmente, há palpites, há indicações. Eu respeito todas as opiniões. Mas gostaria que estas opiniões fossem fundamentadas e que não fossem apenas palpites, sugestões que resultam de preferências culturais ou sociais".
Fantástico: As opiniões do Chico e do Manel, em matéria de impostos, resultam de preferências culturais e sociais. Já as de Jorge e do grupo de sábios verdes que o acompanha nada têm de cultural - são científicas porque não se pode discutir o aquecimento global, nem as alterações climáticas, nem o efeito de estufa, nem o buraco do ozono, nem o efeito que a actividade económica exercerá em todos estes domínios, sem ter primeiro tomado a precaução de fazer um doutoramento em climatologia; depois, frequentado oito seminários e pelo menos uma cimeira da terra; e, finalmente, ignorar as opiniões de vozes dissonantes, por albardadas de diplomas que também estejam, porque não são o mainstream.
Não há falta de cépticos nem sobre a origem humana das alterações climáticas, nem sobre a realidade das próprias alterações, nem sobre o aquecimento (pelo contrário, há cada vez mais vozes a alertar para o arrefecimento), nem, menos ainda, falta de gente que, com base científica ou simplesmente lógica ou intuitiva, acha que há razões para dúvidas, não para certezas. E, sobretudo, há quem entenda que as providências que se pretende tomar não entram em linha de conta com evoluções científicas e tecnológicas (sabe lá a gente o que a humanidade já terá inventado daqui a cem anos) mas nem por isso deixam de representar mais impostos, obstáculos, funcionários, fiscais e fundos para alimentar investigadores que se profissionalizaram no drama e nas hecatombes.
Isto é só uma amostra. Que a comissão maléfica que este tresloucado encabeça sugere para cima de três dúzias de medidas - que não vou ler. A maior parte ficará pelo caminho; a parte que chegar um dia ao Diário da República será constituída por uns quantos atropelos à liberdade dos cidadãos, uns quantos aumentos de uns impostos, e umas quantas promessas de reduções de outros; Jorge meneará com desgosto a cabeça, que o mundo está perdido - está sempre perdido para os Savonarolas; e nós suspiraremos - de alívio se o cientista social encontrar emprego a regular, por exemplo, os caudais das mini-hídricas.
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